segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Casa da estrada - pt. 3

Acho que cochilei novamente, nem me preocupei com a pessoa lá dentro do quarto. Não sei se é um deles, se é um sobrevivente que viu a janela aberta como uma oportunidade para se esconder...
As botas estão secas e as meias também, vou calçá-los e averiguar o que é afinal de contas. Calço as botas, me preparo psicologicamente e vou até a porta do quarto fechado.
Destranco e abro vagarosamente com a arma apontada apontada para onde possivelmente estará o corpo, com as mãos trêmulas vou abrindo a porta e encontro ali o corpo. Não parece um deles, está respirando com uma certa dificuldade, não vi dessas coisas respirando, suponho que seja um sobrevivente, a luz está fraca mas da para ver os movimentos do corpo. Cutuco com o cano da arma a cabeça e ele acorda, ao se virar vejo que ele está bastante ferido, seu rosto está arranhado e tem uma marca profunda no ombro. Pergunto quem é ele e como chegou aqui e ele me diz que fugiu de um bloqueio da estrada logo mais atrás e se escondeu no mato.
Imaginei até que bloqueio seria, deve ter sido aquele ao qual passei, onde havia vários carros parados, mas se era um bloqueio, por que todos os veículos estavam no acostamento? Essa era uma pergunta que eu preferi guardar para mim mesmo e o deixei falar.
Ele foi falando, com dificuldade e pedi muito por água, dizia que estava com uma sede interminável, que estava com frio, dava para ver seu corpo tremendo de frio mesmo, suava muito e sentia o calor da febre ao chegar perto. Ainda me disse que foi atacado por um bando dessas coisas, que correram atrás dele e um o arranhou e mordeu. Eu sabia o que isso significava, esse sujeito estava condenado a se transformar em um desses. Eu teria que atirar nele mas precisava de maiores informações, talvez dar a ele um final de vida mais confortável, não posso virar um monstro desalmado com sobreviventes, mesmo que tenham apenas algumas horas de vida.
Ele me disse que estava vindo de São Paulo, a cidade virou um caos, um surto populacional de zumbis da noite para o dia. Os primeiros infectados foram os moradores de rua, poucos desconfiaram do comportamento por se tratar de mendigos aparentemente bebados ou drogados até que começaram a atacar as pessoas. A polícia foi acionada mas atacaram em bandos, ninguém está psicologicamente preparado para um ataque de mordidas animalescas ou unhas. A polícia rapidamente foi tomada e em seguida as ambulâncias, os serviços de urgência foram os primeiros a serem tomados e consequentemente a população.
Acidentes com o metro, ônibus e outros meios de transportes coletivos haviam sido alvos dos ataques deles, muita gente e pouco espaço para fuga. Ele contava com lágrimas nos olhos, deve ter visto coisas horríveis.
Comentou que muitos prédios começaram a pegar fogo, o pânico tomou conta da capital paulista, pessoas pulavam das janelas, igrejas eram invadidas, casas eram saqueadas, correria e por fum um apagão na cidade. Não havia energia e qualquer ponto de luz era seguido pelos zumbis. Perguntei como que a luz simplesmente foi cortada e ele me disse que o exército havia cortado a energia como forma de sitiar a cidade mas isso acabou ajudando mesmo os monstros, ele me disse que viu vários deles farejando o ar, alguns se moviam como animais, corriam com a ajuda das mãos e braços, que pareciam gorilas enrivecidos. Alguns pulavam e eram muito ágeis, corriam em bando para caçar qualquer criatura de sangue quente. Cães, gatos e outros animais eram comidos também.
Contei que em Brasília não estava assim, os zumbis eram lerdos e não havia nenhum correndo ou com alguma característica que ele descreveu.
Ele não falava direito, devia estar muito cansado mesmo, bebia litros de água e ainda reclamava da sede. Disse que poderia me ajudar a fechar a janela do quarto, o que ele me disse realmente me preocupou, não quero nenhum homem-macaco zumbi pulando essa janela. Fechamos e levantamos a cama para tapá-la, era um ponto cego na casa ao qual não queria arriscar a segurança.
Ele se sentou no sofá, expliquei a ele o que havia acontecido aqui, ele não ligou muito, estava ofegante e cansado, perguntou para onde eu estava indo. Disse que estava indo para Curitiba, que tinha escutado notícias de que lá a epidemia estava contida e tinha conhecidos e abrigo lá. Me perguntou ainda se tinha transporte mas disse que estava atolado, mesmo com a chuva diminuindo precisava esperar a lama secar um pouco para sair com o carro. Estava preso ali mesmo.
Ele notou minha aflição, perguntou porque estava tão nervoso, eu sabia que pessoas mordidas eram transformadas naquilo, parece que ele não sabe e pelo visto a doença estava bem avançada já em seu corpo. Seu suor não era mais apenas água, era quase viscoso, ele estava ficando pálido e fraco, não conseguia manter os olhos abertos por muito tempo. Ele tinha um cheiro de sangue e carne velha, não cheiro de carne podre mas um cheiro que me lembrou açougue em dias quentes, não era agradável. Por fim ele fechou os olhos.
Apontei a arma para sua cabeça esperando ele "voltar", engatilhei e fiquei esperando, tinha que me controlar, não levar susto, ser sangue frio, manter o controle das mãos e dos nervos, ainda assim eu tremia, minha respiração ficou pesada, só escutava a chuva que diminuia, o vento que ainda estava forte lá fora mexendo as folhagens do mato e o pulsar forte do meu coração no ouvido. Senti o suor escorrer na minha testa e acumular nas sombrancelhas, estava mesmo nervoso mas não poderia vacilar.
Senti minhas pernas tremerem, acho que se precisasse correr agora eu cairia, não tinha mesmo o que fazer, só esperar pelo inevitável.
Ele abriu os olhos mas sua respiração ainda soltava vapor devido ao frio, quase atirei e ele se assustou ao abrir o olho e ver aquela arma apontada para sua cara. Com uma cara de espanto e cansado ele me perguntou o que eu estava fazendo. Expliquei que ele vai virar um daqueles zumbis, pessoas mordidas viram mais rápido e as arranhadas também, mas demora um pouco mais para a infecção se espalhar.
Ele baixou os olhos, ele sabia que eu estava certo, acentiu com a cabeça e pediu para que eu esperasse ele deixar de ser um vivo antes de atirar nele.
Confirmei com a cabeça e lhe dei um cigarro, estava acabando mas era o único luxo naquela hora e naquele lugar. Ele fumou, bebeu meu café e esperou. Começou a me falar de tudo que havia visto em São Paulo.
Seus relatos eram assustadores, pessoas correndo ensanguentadas, zumbis caçando como animais, dando bote ou em grupo. Ele me disse que tinha perdido as esperanças quando um certo dia parou de ouvir tiros pela cidade. Ele estava escondido em um apartamento alto, no centro de São Paulo, que via tudo acontecendo pela janela, tiros e gritos, explosões, corpos queimando na rua e alguns correndo mesmo pegando fogo. Parece que atear fogo em zumbi não adianta muito coisa, não de imediato. O exército nas ruas atirando, foram cercados e devorados. Não sobrou nada, apenas zumbis na rua, andando sem rumo farejando o ar, olhando para os lados procurando por algo. De noite só ouvia os gemidos da cidade, estava tudo silencioso, nenhum tiro, nenhuma evidência de resistência, nada. Foi quando ele decidiu fugir, pegou seu carro, aproveitando os raros momentos de "sonolência" dos zumbis e correu. Ele me disse que ao olhar pelo retrovisor viu vários deles correndo atrás por vários quilômetros, disse que acelerou e foi embora pela estrada mas que estava muito assustado e bateu com o carro em outro veículo parado no caminho. O carro continuou andando mas super aqueceu e parou na estrada. Ficou andando por horas pelo acostamento tentando achar um lugar seguro mas não conseguiu. Disse que algumas horas depois ele viu o mesmo bando de longe, correndo pela estrada, estava na trilha dele ainda e estava correndo muito rápidos e alguns corriam com a ajuda dos braços. Foi quando ele se escondeu no mato e veio correndo por ele, no desespero não pensou direito, apenas correu pelo mato e via eles correndo em sua direção, disse que correu por vários quilômetros até achar a janela e pular dentro e acordar com a minha arma apontada para ele.
Quando ele contou isso ele se tocou, parece que ele viu minha expressão, eu havia arregalado os olhos e ele só pode soltar um palavrão baixinho.
Ele mesmo disse que se ele estava aqui, os zumbis seguiram seu rastro até aqui.
Perguntei como, onde e quando ele havia sido mordido, ele disse que quando estava entrando no carro um deles pulou sobre o carro e o atacou.
Só pude dizer que ele havia muito pouco tempo como vivo mas mesmo assim não poderia atirar nele, o barulho iria atrair os que seguiram. Ele parou para pensar e surpreendentemente me falou para fazer uma coisa: Amarrá-lo, amordaçá-lo e matar de novo mas de outro jeito que não chame atenção. Aceitei a proposta, ele pediu desculpas por ter atraido essa confusão para cá e que não queria mais correr, estava cansado e começando a ficar com um sono estranho. Procuramos pela casa com o que amarrá-lo mas não encontramos cordas. Não iríamos sair da casa para procurar do lado de fora. Fomos até o quarto e abrimos o armário, vi sapatos com cadarço, isso iria servir. Tinha alguns cintos também, isso iria ajudar.
Amarrei suas mãos para trás com os cadarços, deixei bem preso e seus pés também. Disse que para previr iria amarrar seu pescoço na cama levantada no estrado, ele poderia ficar sentado mas quando voltar como um deles, não teria como se mexer muito, ele aceitou e disse para eu ser rápido, ele estava sentindo seu corpo enrigecer, seus lábios estava azulados e estava com a pele totalmente pálida até agora. Isso me lembrou a cena daquela moça em Brasília, a moça do mercado. Os sintomas eram iguais e em menos de 10 minutos estava comendo seu colega de trabalho.
Lá estava ele, amarrado, preso como um animal que iria se transformar e me olhou. Fitou bem em meus olhos e chorou, pedindo perdão pelo trabalho e pelo provável trabalho que vai me dar depois. Sentei na sua frente e agradeci pela companhia, fazia tempo que não conversava com ninguém e que era bom escutar outro humano para variar. Me sentia péssimo com aquilo tudo mas era necessário e ele mesmo percebeu que era necessário.
Ele só pediu para que antes amordaçá-lo, esperasse ele parar de respirar, não queria morrer assim. Ele disse que queria fazer uma oração pela sua alma e pela minha, agradeci sua gentileza e o deixei com sua oração.
Enquanto escutava o murmurinho do quarto eu sabia que ainda estava vivo mas agora, aqui na cozinha, precisava encontrar algo para matá-lo de vez. Não tinha nada, encontrei uma frigideira mas isso não iria fazer muito efeito e o barulho chamaria muito atenção.
Encontrei uma faca de cozinha, não era como aquelas grandes de carne mas tinha um bom tamanho de lâmina. Agora comecei a pensar em como cravar essa faca na cabeça dele.
Quando me dei conta eu estava péssimo, estava planejando a maneira de matar uma pesoa que estava orando por mim... No que me tornei...
Meus pensamentos foram cortados com a tosse seca e fraca dele vindo do quarto. Sabia que estava chegando a hora, não tinha jeito, teria que improvisar na hora.
Ao chegar no quarto, eu não mostrei a faca, não queria que isso fosse sua última visão como vivo. Ele me olhou com muito esforço, com um sorriso de canto de boca e falou "amém", e sua cabeça pendeu para frente. Peguei o pano de prato que tinha achado antes para o café, enrolei e amordacei sua boca morta. Agora é só esperar sua volta, tirei a faca da cintura e medi o tamanho da lâmina entrando logo atrás do queixo até em cima, o tamanho foi suficiente para passar dos olhos, isso iria matá-lo de vez com certeza. Posicionei a faca atrás de seu queixo e esperei ele se mexer...

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Casa da estrada - pt. 2

O som de um trovão me fez dar um pequeno pulo sentado. Acho que peguei no sono, mesmo de noite, isso foi um erro. Consegui passar café lavando um pano de prato velho que encontrei, não ficou lá aquela maravilha mas melhor que nada. Com a iluminação de apenas 1 vela no meio da sala para não chamar muita atenção, olho em volta. Pelo barulho a chuva está diminuindo gradativamente mas ainda está forte. As goteiras se tornaram verdadeiros tormentos, não posso por nada embaixo para segurar as gotas por causa do barulho, as poças nessa casa só não estão maiores porque o assoalho velho deve ter mais buracos do que o próprio telhado.
Me levanto com dores nas costas e formigamento nas coxas, dormir sentado não é bom, as dores musculares estão ficando cada vez mais fortes, acho que a tensão e a descarga constante de adrenalina estão fazendo com que meus músculos fiquem doloridos mais ainda.
Como ainda tem sinal aqui, dei uma olhada rápida nos relatos de outros sobreviventes, Luciano parece bem e a Anna cortou o cabelo, parece que encontraram uma vizinha em uma casa mais afastada no telhado segurando uma arma de grosso calibre.
Brasília... fico imaginando como deve estar o casal de aposentados que tão gentilmente me hospedaram em sua casa. Será que estão bem? Será que estão precisando de ajuda? Temo pelo pior...
Prefiro manter o foco na minha ida para Curitiba, a esperança de que a doença esteja contida é grande mas com o tempo acredito que eu tenha cometido uma grande bobagem em me aventurar na estrada sozinho em um estado de alerta mundial.
A folhagem do mato atrás da casa está muito agitada, o vento está bastante frio, mesmo dentro da casa, minha respiração está saindo como vapor, não estou sentindo muito frio, um desconforto leve apenas nos pés, tive que tirar a bota e pendurar as meias em um varal improvisado que fiz na sala. Ficar com uma bota molhada por muito tempo no pé é uma péssima idéia.
Muito das coisas que quero agora estão no carro, não imaginei que ficaria mais do que algumas horas nessa casa e agora já se vão mais de 24 horas aqui ilhado pela lama que, pelo menos, não subiu mais.
Toda essa folhagem se movimentando lá fora pelo vento me deixa agoniado, fico imaginando os horrores que deve ter por lá, milhares e milhares deles andando alí, perdidos, sentindo um cheiro bem leve de carne humana já que o vento não permite que eles faregem melhor. Algumas gotas maiores de chuva caem na lama fazendo um barulho parecido com passos, sem ritmo, parece muito com o andar deles. A paranóia que me consome de noite tem me dado dores de cabeça horríveis e estou sem nada para isso, aspirina, dorflex, nada, absolutamente nada. Creio que o máximo de medicamento que possuo é o kit de primeiros socorros veicular, faixas, água oxigenada e esparadrapos. Se eu me cortar feio estou bem pelo menos.
O vento continua uivando lá fora, a sensação de abandono e isolamento tem me deprimido um pouco, as vezes me pego pensando alto, achando que estava apenas na cabeça mas estou falando pela boca, enquanto não estiver falando sozinho creio que eu ainda esteja bem psicologicamente.
Fico lembrando do meu filho, está a salvo na europa estudando, deve estar a parte de todo esse problema nas américas, deve estar muito preocupado comigo mas não faço a menor idéia de como entrar em contato com ele. Tentei e-mails e nada, sempre diz que a caixa postal está bloqueada. Alguns sites europeus não estão sendo mostrados dizendo que o acesso é restrito. Será que bloquearam todos os IPs daqui?
Não duvidaria, bloquear o acesso totalmente envolve fisicamente e eletronicamente. Deve ter algum motivo para isso mas não possuo um conhecimento de informática tão avançado assim para burlar esse bloqueio.
Fico pensando também nessa moça que me deparei aqui nessa casa. Quem era ela? O que ela fazia?
Ainda tudo silencioso, fora a chuva claro. Esse suspense me mata, notei que estou com um tique nervoso no polegar da mão direita. Ele fica tremendo e de repente ele da um "joinha". Poderia ser por, poderia ser um tique no dedo do meio...
Esse pensamento positivo vai acabar me atrapalhando...
Tem algo na janela do quarto que fechei. O som claro que mãos molhadas batendo e se apoiando no beiral da janela me preocupa. Isso significa que esse zumbi é um dos inteiros, chego lentamente perto da porta com a arma em mãos e fico escutando o som que sai de dentro do quarto. Escuto o roçar da roupa pela janela, está entrando mas lentamente, com muito esforço, parece que está quase dentro.
O som de corpo caindo no chão de forma desengonçada foi bem nítido e o som que esta me apavorando é de corpo se arrastando pelo chão até a porta. Uma arranhada na porta, é agora, vou ter que atirar, vou ter que fazer barulho, vou ter que engolir seco e tomar coragem.
Um baque seco no chão e silêncio. Não está mais vindo som nenhum. A porta está trancada de qualquer forma, tenho essa pequena vantagem, pelo visto esse pode ser um dos inteiros mas está meio chumbado nas pernas. Vou verificar isso quando amanhecer, não quero um confronto no escuro.
Vou sentar ao lado da porta com a arma na mão, não quero correr riscos desnecessários, minha respiração está acelerada, como não tem mais som nenhum, consigo escutar meus batimentos no ouvido, meu corpo treme e minha mão mais ainda, espero que seque logo minha bota e as meias, não quero correr por aí descalço.
Estou com medo... com medo e sozinho.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Casa da estrada - pt. 1

Sai um pouco da estrada, o sinal no celular do WiFi estava mais forte, isso significa que estou chegando perto. Tem alguns morros por aqui, geralmente as casas ficam na base deles ou no alto, espero que esta esteja no alto. Fui buscando, vi algumas casas mas nenhuma com "aparência" de casa com sinal de internet WiFi, a chuva está chegando, começou a cair algumas gotas finas no pára-brisa, não vejo nenhum zumbi andando, isso é um ótimo sinal.
Encontrei a casa, o sinal aqui é muito mais forte. A estradinha de terra começando a virar lama, acredito que fiz uma grande burrada vindo pra cá, a chuva está engrossando e a Belina não está andando como deveria, estou atolando, agora que estou aqui, melhor entrar na casa.
Não sei o que vou encontrar, com o carro parado na lama a pouco mais de 3 metros da porta de entrada, desligo o farol mas mantenho o motor ligado, ainda tem luz natural mas a nuvem que se aproxima vai deixar tudo escuro.
Me cnho de coragem, carrego minha arma e saio do carro. Nada se mechendo além de mim, o vento está ficando mais e mais forte, a chuva agora já cai pesado. Vejo para os lados, algumas outras casas sem luz, a estrada alí atrás nenhum movimento e a casa na minha frente completamente silenciosa. Até onde posso ouvir com o barulho de água caindo nessas telhas velhas e na lataria do carro. Essa chuva realmente está com cara de que vai durar um bom tempo e realmente dirigir com ela não seria uma boa.
Armo a arma, destravo e sigo em direção à porta.
Incrível como pode escurecer rápido aqui. Ainda são 5 da tarde mas essa nuvem de chuva realmente está grande. Toda a terra em volta do terreno já virou lama, minha bota está atolando e meus passos estão muito pesados.
Essa casa de madeira provavelmente não aguentaria uma manada, mas como não vi nenhum zumbi até agora, não preciso me preocupar já com isso.
Apenas uma janela na frente, uma atrás e uma do lado. Uma janela pequena, suficiente para entrar ou sair uma pessoa mas ela é alta, isso é ótimo, terei uma visão mais ampla do terreno mas infelizmente atrás é um matagal fechado. Essa antena parabólica do lado significa que mesmo sendo simples, essa casa pode receber vários tipos de sinais, talvez, com sorte, consiga informações em algum canal, algum sinal de vida fora daqui.
Essa sensação de isolamento tem mechido comigo, me sinto só, com medo, preocupado com meu filho e a cena dos funcionários daquele mercado em Brasília morrendo ainda me assombra na memória.
O vento está vindo mais frio, isso significa que estou mesmo bem mais próximo do sul, minha respiração começa a sair em forma de vapor, meu óculos está cheio de gotas na lente... melhor entrar.
A casa está escura, a porta não estava trancada, isso é um péssimo sinal. Acendo minha lanterna e não vejo nada. Andando devagar, sabendo que a sola dura da bota junto com a lama faz um som estranho, acho que meus barulhos estão sendo abafados com o barulho da chuva na telha. Encontrei um interruptor, não vejo nada de errado.
Ao acender, vejo no meu lado esquerdo um sofá velho meio marrom com um corpo muito magro. Aquele corpo deve estar ai a um bom tempo, incrivelmente não fede. Já deve estar meio mumificado, sua pele cinza e esticada mostra seu estado de podridão avançado. A casa é pequena então posso verificar melhor a residência.
Fui para a cozinha, o assoalho de madeira range bastante, as paredes de madeira com uma pintura bege descascada mostra a infiltração. Não vejo quadros ou fotos na parede, a cozinha está empoeirada e o armário de madeira acima da pia está entre aberto. Há um botijão de gás e ao virar o botão simples de quatro bocas vejo que ainda tem gás. Tem apenas 1 quarto, ele é grande, uma cama de casal desarrumada, sem sinal de sangue. A janela do quarto que dá pro matagal está aberta e pelo visto, está aberta a um bom tempo. A mistura de poeira e água da chuva fez uma lama cinza que escorre pela beirada da janela e formou uma poça logo abaixo. Encontrei o computador, estava ao aldo do armário do quarto, um armário estilo antigo, madeira maciça, de cor escura e muito alto. Tem 6 portas e pega quase a parede inteira e quase alcança o teto. Sim, é um computador simples e com internet, o cabo que sai da parede vem de fora, possivelmente é daqueles via satélite para zonas rurais.
Dou uma olhada pela janela, só vejo mato e a copa das árvores dançando conforme o vento forte da chuva. O barulho é muito alto, a casa não tem forro e há pequenas goteiras pela casa.
Tenho que me livrar desse corpo no sofá, não quero nada disso perto de mim. Ao chegar perto, cutuquei com a arma sua cabeça e nada de reação. Cutuquei, chutei, balancei o sofá e nada, aquilo era realmente um morto MORTO.
Pelo visto era uma moça, esta com um vestido simples de tom amarelado desbotado, o cabelo castanho escuro estava bem emaranhado e naõ tinha sapato. Não sei o nome, não sei como ela era. Estranhamente essa casa não tem fotos. Os móveis rústicos da sala estão vazios, tem uma televisão velha de 14 polegadas de frente ao sofá. Não tem marca de nada além disso. Apenas poeira. Essa casa não tem movimento há dias, possivelmente semanas.
Vou jogar esse corpo lá fora, Seus braços magros de pele rígida não se mechem, vou ter que carregar pegando no tronco mesmo... detestei a idéia.
Ao sentar o corpo, saiu um gemido muito baixo da boca dela mas não mecheu a cabeça nem se movimentou, apenas gemia como um deles. Deu para ver que tentava abrir a boca mas estava muito rígida. É claro que só analisei isso depois de me recompor ao cair para trás com o susto deixando sair um gritinho que eu não gostaria de descrever agora.
Aquilo estava lá, sentado, por minha culpa, gemendo e tentando mecher a boca. Sua cabeça fazia um esforço descomunal para se virar para mim e apenas um de seus olhos estavam abrindo. Alguns dedos começaram a se mecher estalando, som de ossos estalando estavam cada vez mais frequente saindo daquele corpo. Eu ainda estava no chão, olhando aquela monstruosidade se esforçando para se mecher e me comer mas fiquei pasmo, não se era medo ou simplesmente estava fascinado com aquilo tudo, só sei que não pensei direito e quando dei por mim ela já estava tentando se levantar, com dificuldade mas conseguiu seus movimentos de volta. Na queda minha arma caiu, não sei para onde mas estou desarmado. Melhor dar um chute nisso, estou com botas militares, isso tem que servir.
Ao me levanar sua cabeça me acompanhou, sempre mirada em mim, erguento com dificuldade o braço, gemendo e com aquela expressão "preciso me alimentar de você". O "freio moral" que todos nós temos antes de chutar a cabeça de uma moça, foi-se.
O chute pegou na testa e isso derrubou-a no sofá. O som de osso quebrando foi agoniante, não foi nada legal. Tive um impulso idiota de perguntar a ela se estava tudo bem mas lembrei que ela não estava bem fazia pelo menos umas 2 semanas.
Ela se curvou para frente de novo, e dei outro chute, mas esse foi lateral, queria que ela caisse no chão. O nervoso e a tensão fez com que minha perna doesse um pouco, os meus músculos não estão preparados para esse tipo de combate o tempo todo. Antes de me lamentar o quanto estou fora de forma, melhor eliminar logo essa desgraça. Comecei a pisar na cabeça, com força, pisei várias vezes até que o som de crânio quebrando saiu dalí do chão. Pise mais e mais, um momento de insanidade correu meu corpo e não quis parar até me dar conta que não havia mais nada alí onde era a cabeça, apenas um amontoado de cabelo com uma gosma escura que se completava com um tronco e um corpo cinza com um vestido amarelo desbotado.
Agora que me livrei desse impecílio, tenho que tentar achar minha arma, jogar esse corpo fora e pensar melhor, me recompor por completo. Minhas mãos estão tremendo, sinto um frio na barriga de nervoso, parece que cometi um crime, me sinto culpado, me sinto um monstro em ter esfarelado a cabeça de uma moça pisando em cima sem parar.
Antes de abrir a porta dou uma olhada nas frestas entre as tábuas que fazem a janela da sala da entrada, não tem nada lá, somente chuva, vento, a Belina e lama. O pouco de luz natural que ainda tem lá fora já está sumindo como filetes de luz azul no horizonte, não sei que horas são agora mas é noite e é hora deles ficarem mais ativos.
Abri a porta com uma certa dificuldade, a madeira molhada está raspando no chão, pelo visto isso não é de agora, tem a marca de madeira raspada formando um semi círculo no chão onde a porta raspou, isso fez um barulho medonho mas ainda bem que essa chuva é mais barulhenta. Joguei o corpo lá fora na lama, não quero essa coisa por aqui, ainda tive que arrastar pelas pernas e empurrar aos chutes.
Sei que tem uma pequena casa ao lado dessa, a pintura está mais acabada e espero que não tenha nada lá. Um zumbi por dia para mim é o suficiente. Vou fechar a porta do quarto, a janela está aberta e não quero correr riscos, achei minha arma no chão perto da porta, ela escorregou bastante até aqui, pelo visto meu susto foi bem maior. Pensando bem, tive muita sorte desse zumbi ser um daqueles bem detonados, já estava bem debilitado e não conseguia se mover direito. Se fosse um daqueles inteiros, eu estaria em pedaços agora.
Vou dar uma olhada na cozinha, está bem escuro lá fora, não dá para ver nada. Bisbilhotando a cozinha simples, percebi que só tem esse armário de duas portas acima da pia, não tem mais nada além do fogão. Não tem geladeira, talvez essa esteja na casa ao lado. Se ainda tem luz, deve ter alguma coisa nela. Ao abrir a pia saiu uma água barrenta, já estava xingando tudo quando começou sair limpa, muito tempo parado a sujeira do cano acumulou mas agora está limpa, no armário pequeno tem uma caixa de metal com café, essa foi a coisa mais linda que eu vi nos últimos dias. Coloquei água para ferver e comecei a preparar o café.
Ao procurar o filtro, não achei nada. Nem filtro de papel nem filtro de pano, nada. A água fervia, o vapor da água quente condensava na parede atrás do fogão e o pó ali, cheirando bem.
-Filho da puta!!!
Comecei a rir quase que histéricamente, consigo xingar um café mas tive pena de um zumbi...

domingo, 7 de novembro de 2010

Estrada - pt. 5

Nenhum problema, pude dormir um pouco mesmo, descansar e até fumar um cigarro. Sinto falta de café na verdade.
Na estrada tem pouco movimento, estranho faliagem serar isso, tem pouco ou nenhum movimento. A viagem será longa e pelo visto quase não tem carros pela frente, vou poder acelerar um pouco e tentar chegar mais rápido a Curitiba.
A passagem por São Paulo que me preocupa, lá é bem mais povoado e isso significa que lá é bem mais "zombizado", terei que andar sem parar por um bom tempo. O trecho urbano é longo e isso realmente me preocupa. A estrada passa dentro da cidade...
Demorei para relatar pois não encontrei mais nenhum sinal WiFi por perto. A bateria do notebook acabou e a do meu celular está acabando. Esse lance de procurar sinal esgota a bateria mais rápido mas tenho que continuar tentando, se der um sinal, terei uma idéia de onde terá comunicação.
Continuo na Anhanguera, está limpo a estrada, dá pra rodar bem. Estranhamente não vi nenhum zumbi por aqui, alguns carros parados com sangue sim mas morto andando, não.
Devo estar perto de outra residência com sinal, senão não poderia estar postando aqui. Vou ver a origem desse sinal, talvez uma casa agora seria uma boa, vai chover bastante, vejo nuvens carregadas vindo em minha direção e mesmo dentro do carro, não quero arriscar um temporal dentro dele. Pode ser seguro mas mesmo assim, a visibilidade fica ruim e se for cercado não vou conseguir ver muita coisa.
Andei um bocado, vai anoitecer em breve e o vento frio que vem também me preocupa, na verdade muita coisa hoje me preocupa, vento frio significa mais morto ativo. Mais morto ativo significa caçada e estou muito cansado para dar tiros hoje que graças a Deus não dou um tiro faz tempo.
Me despeço de todos aqui e vou procurar essa casa com sinal, espero encontrar alguém vivo ou um fogão funcionando com água e pó de café.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Estrada - pt. 4

Não tinha nada naquela parada. Fiquei quilômetros sem sinal nenhum. O modem 3g que veio com o notebook não tem sinal algum também.
Nada, nem um sinal de movimento, pois falar sinal de vida hoje em dia é relativo.
Vários carros parados, muitos com o motorista morto ao volante ainda. Parece que outros sobreviventes já passaram por aqui e pegaram a gasolina, não tenho nada e não me atrevo a pegar nenhum desses carros para mim também, além do cheiro forte de podre, não sei se terá "surpresas" enquanto mudo as coisas de lugar.
Por algum milagre consegui um sinal WiFi aqui na estrada, devo estar perto de alguma casa com sinal, mesmo aqui no meio do mato mas não vou me arriscar.
Pela minha experiência, é melhor saber se tem alguém vivo em uma casa quando se escuta tiros, caso contrário... nem me preocupo. Está quente, não tem nuvens no céu e o Sol está brilhando como nunca havia notado. Isso vai fazer com que os zumbis estejam mais lerdos agora, posso dormir um pouco. Dirigir de noite pode parecer perigoso mas não preciso me preocupar em usar farol alto e não vou correr mesmo, apenas me manter em movimento para não bater nos outros carros parados que estranhamente não tenho vistos muitos na estrada e sim no acostamento.
Quero chegar logo na Rod. Anhangüera, talvez eu encontre mais pessoas ou um carro melhor para seguir viagem.
Antes de dormir um pouco vou armar meu "alarme", consiste em 4 cones com uma linha presa nas pontas cheio de latas vazias penduradas em volta do carro.
Qualquer movimento perto disso faz um barulho muito alto e chato de latas batendo. Isso funciona, vai por mim, evitou um ataque surpresa ao carro.
Carro cercado pelas latas, arma engatilhada e chave na ignição. Dormir por algumas horas até começar anoitecer, essa noite não vai ser tão fria mas ainda assim é mais fresco e eles ficam mais ativos e é melhor não ficar parado nessas horas.
Espero que os outros estejam bem em Brasília, Minas e Bolívia.