quarta-feira, 16 de março de 2011

Fronteira SP/PR pt. 4

Esperando anoitecer e ainda vendo esses monstros perambulando por aí, fico olhando o balcão da janela e pensando em como sair daqui. Está acumulando mais desses zumbis e alguns já estão sabendo que tem acesso por aquela porta pois o cheiro de sangue ainda está fresco no ar. O corte está incomodando bastante e pelo visto vou precisar trocar a toalha.
Hoje o dia está com um vento agradável, dá para ver pelas árvores se mexendo lá fora. Os gemidos se misturam com o farfalhar das folhas e isso me dá uma sensação de isolamento profunda. Preciso de uma idéia, preciso pensar em como sair logo daqui, afastar esses zumbis da porta e pegar logo a viatura e sair correndo. Preciso ir para São Paulo, cortar caminho por lá e ir logo pro Paraná.
E esse plano tem que ser executado antes de anoitecer mesmo, preciso ver o que acontece em volta e me guiar corretamente. Pensei em algo meio extraordinário mas pode funcionar. Essa toalha ensangüentada está atraindo eles para a porta então vou testar e ver se atrai para a janela do mini-sótão desse posto. Penduro ela na janela e vejo os zumbis farejando o ar e indo em direção a ela. Isso pode funcionar, quando a maioria, pelo menos, estiver de olho nela, posso me esgueirar e chegar até a viatura e correr. Antes de executar o plano vou me preparar, trocar a bandagem do corte e tomar um banho rápido, pegar o máximo de roupa, mesmo uniforme, armas e munições, comida, água e me mandar daqui. Não preciso de muita coisa, tenho certeza que em São Paulo terá várias opções de saque para sobreviventes como eu.
Respirando fundo e tomando coragem entro no chuveiro nesse pequeno banheiro, água fria para despertar o corpo ainda meio dormente da dor e passar sabão na ferida para não infectar mesmo. Um bom banho para tirar esse cheiro de caça do corpo, roupas limpas pra variar, uma mochila carregada com garrafinhas de água e macarrão instantâneo, armas e munições carregadas em outra bolsa que achei no dormitório e uma idéia estúpida de carregar todas aquelas armas do sótão. A caixa parece pesada mas dou um jeito. Nem que eu tenha que tirar arma por arma e encaixotar de volta aqui embaixo, vou levá-las comigo.
Incrível como podemos pensar em várias coisas ao mesmo quando estamos sob stress, depois do banho arrumei tudo, está tudo perto da porta para ser carregado o mais rápido possível e para minha grande sorte achei uma cartela de aspirinas, isso é um ótimo sinal.
Pego a toalha ensangüentada novamente e ponho na janela e faço barulho para chamar atenção deles. Isso foi muito bem respondido, a maioria já fitou para a janelinha do sótão e começou a rosnar, urrar e outros sons medonhos que eles produzem além daquela babação gosmenta escura que eles costumar soltar quando abrem a boca.
Torço a toalha para pingar o máximo de sangue possível no chão para que o asfalto quente espalhe o cheiro pela região e esperar a aglomeração deles e aproveitar o tempo. Sem tiros, isso vai atraí-los para mim então devo dar porradas na cabeça mesmo mas com o que? Esses tonfas não são longos o bastante e nem tão pesados para esmigalhar um crânio como um taco de baseball ou de golf, mas terão que servir pelo menos para empurrá-los e correr para o carro.
Vejo que uma massa enorme deles, alguns até são novos para mim, estão ali na frente farejando o ar e olhando para a toalha, vejo que as sombras debaixo da porta diminuíram e olho pela janela da frente que eles estão se dirigindo até a toalha, espero que ela não caia da janelinha senão meu plano já era.
Com o mínimo de barulho possível destranco a porta e espreito pela parede. O ar aqui fora está com um cheiro terrível e até agora nenhum me viu. A viatura está do lado e abro a porta, com a mochila em mão já coloco no banco traseiro junto com a mala com algumas armas. Volto para buscar a caixa com as outras armas e quando estou perto da porta tem um deles parado na minha frente. Ele me encara mas não faz barulho, dá a impressão de que não quer dividir o jantar com ninguém, e o pior, eu sou o jantar. Ele começa a andar em minha direção abrindo a boca e esticando os braços para me alcançar quando em um impulso involuntário pego o tonfa desço-lhe a cacetada na cabeça, ele cambaleia e cai de joelhos quando eu instintivamente começo a bater mais e mais na cabeça até ver que pedaços de crânio estão se espalhando pelo chão, isso não chamou a atenção dos outros, muita sorte mesmo, esse descontrole pode me custar caro na próxima vez. Coloco as coisas no carro e entro pela porta do passageiro. Enquanto em ajeito dentro do carro para ir até o banco do motorista alguns estão olhando em minha direção, hora de ligar logo o carro e sair em disparada.
Pelo visto esse motor não é ligado a um bom tempo e a primeira ignição chamou bastante atenção deles, eu sei que essa viatura é mais reforçada que os carros normais mas um bando de carne podre empurrando a janela ainda vai quebrá-la e conseqüentemente eu me tornarei uma carne podre ambulante também.
-Liga, liga, ligaaaa caralho!!!
E o barulho da ignição chamando mais atenção ainda e alguns começaram a vir em minha direção. Ignoraram completamente a droga da toalha e me viram como algo mais interessante. Já era o plano, vou ter que pipocar tudo mesmo até essa droga de carro dar a partida. Pego uma arma, abro a janela e começo a disparar, o treino realmente foi muito útil, consegui acertar muitos na cabeça mas isso atraiu todos eles até a mim. Atirando e dando a partida, parecia uma cena de filme de ação vagabundo mas lá estava eu, me vendo ser cercado de zumbis, atirando pela janela e o carro quase afogando. Tentei tudo, afogador, acelerar para liberar gasolina no motor, tudo e o diabo do carro não pega. Fui apertando todos os botões daquele painel, liguei a sirene, o giroscópio e fui deixando aquele carro maluco com a elétrica toda ligada até que pegou, finalmente pegou, acelerei o máximo que pude, desci o freio de mão e engatei a primeira e fui, acelerando o máximo que podia, atropelando vários no caminho, passando por cima de corpos e escutando os barulhos de ossos quebrando debaixo de mim, vou confessar que me senti bem com aquilo, pelo menos alguns eu matei de vez.
Acelerei mais ainda e quando estava quase saindo do pátio de pesagem de caminhões eu vi ao lado que haviam milhares mais deles vindo até minha direção.
Os dias que passei lá deu tempo de atrair vários deles, os tiros que dei dias atrás chamou atenção deles, devem estar vindo de muito longe mas são muito, muitos mesmo. Uma manada, o melhor termo para essa visão é realmente "manada". Um monte de coisa vindo em sua direção, nada pode pará-los, passarão por cima de qualquer coisa para te pegar. Muros, cercas, nada segura eles, mesmo que os atrasem um pouco, o empurra-empurra acaba vencendo qualquer obstáculo.
Melhor sair daqui e rápido. Pego a bifurcação onde tem uma placa direcionando a cidade de São Paulo e sigo em frente...
Sinto minhas mãos tremendo, estou suando frio e com uma azia desgraçada de nervoso. A viatura tem o rádio funcionando, enquanto ando pela estrada vou tentando contato com aquela moça que escutei no rádio mas até agora só estática mesmo.
Enquanto isso vou descobrindo para que serve todos esses botões no painel...

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Fronteira PR/SP pt. 3

O desgaste emocional está me consumindo. Depois da noticia do rádio, fiquei exausto... Cansado dessa fuga insana e pensando seriamente em desistir, me deixar morder ou sei lá, meter uma bala na cabeça.
Não, não posso fazer isso, tem o meu filho, preciso ir a seu encontro, como eu não sei mas preciso.
Agora de noite escuto somente os gemidos, sei que tem bastante deles lá fora então é melhor eu acender as luzes para ver o que se passa.
Ao ligar os holofotes, deu para ver a manada lá fora andando a esmo e alguns olhando para a luz como se estivesse surpreso. Alguns em posição animalesca, andando de quatro farejando o ar como um cão faminto. A chuva começou, deu para ver que veio com uma brisa gelada, eles estão mais ativos, alguns até começaram a andar menos cambaleante. A água da chuva no asfalto estava escorrendo o sangue podre, o cheiro do ar estaria bem pior se não fosse o friozinho que veio mas mesmo assim incomoda bastante. Não posso nem usar o desodorizador de ar que vi na prateleira da cozinha para melhorar o ambiente, isso atrairia eles até a porta.
Levei um grande susto quando alguns se viraram para a janela. Mesmo blindada, ela não resistira a vários empurrando juntos, sei que eles não podem me ver mas creio que o reflexo deles nessa janela atraiu sua atenção. Alguns já estava olhando ela bem de perto, parecia que podiam me ver, mesmo com as luzes apagadas dentro do módulo, dava essa impressão. Depois de um tempo, o medo volta, me senti além de cansado, com medo e frio. Me senti paralisado ali, atrás da janela espelhada, vendo aquelas coisas pingando com a chuva, gosmas pretas ou esverdeadas escorrendo pela pele acinzentada, gemidos e mais gemidos, toda essa coisa em volta de mim, senti uma tontura, estou mesmo cansado e não consigo manter os olhos abertos. Estou exausto de verdade, não consigo me manter em pé, com um tropeço eu tento me apoiar na bancada da frente mas derrubo um copo de vidro no chão, o barulho chamou a atenção de alguns deles, disso eu sei mas não consigo pensar em mais nada. Minha visão está ficando turva, meu corpo está mais pesado, as pernas estão trêmulas... escuro.
Está tudo escuro, escuto de longe umas batidas metálicas mas não sei sua origem, o som está longe e está escuro. Sinto minha respiração pesada mas ao mesmo tempo parece que estou respirando bem. Estou sentido um incômodo no ombro esquerdo mas estou sem forças para sentir o que é. Sinto que meu corpo não responde, parece que estou em coma acordado, essa sensação é horrível mas me sinto estranhamente bem. As batidas estão mais perto, o que será isso?
Ela não pára, uma batida metálica, parece que tem alguém martelando uma chapa de alumínio. Estou com frio mas não tremo, por que será?
Será essa a sensação de estar morto? Será que morri? Não consigo sentir meu corpo, sinto que ele está aqui mas não sinto força para movê-lo.
As batidas estão mais altas...
-PAH! PAH! PAH! PAH!
O cheiro de podre está mais forte, me sinto ofegante...
Com uma grande aspirada e susto levanto, estou sentado no chão e a porta de metal está sendo surrada. Vejo os vultos na fresta de baixo e vejo várias sombras batendo na porta ou caminhando a sua frente. Meu ombro dói, e quando passo a mão vejo sangue. Senti um troço duro enfiado nele, era um caco de vidro do copo. No chão havia uma poça considerável de sangue e minha roupa estava cheia de sangue também, isso deve ter atraído os zumbis até a porta pelo cheiro.
Uma dor de cabeça horrenda lateja na minha testa e atrás, devo ter caído feio no chão, uma sensação de ressaca com pancada... Meus olhos estão doendo com a claridade que vem da janela, o dia amanheceu com um Sol forte, sem nuvens no céu, pela sombra de alguns zumbis errantes, deve estar perto do meio-dia. Dá para ver que está bastante quente lá fora, consigo até ver a miragem de reflexo no asfalto e o vapor de calor subindo um pouco mais ao longe. Não sei o que me deu para ter esse apagão mas acordei bem descansado, mesmo com o ombro dolorido e a cabeça doendo, o stress deve ter dado o ar de sua graça finalmente para me entorpecer assim.
Procuro o kit de primeiros socorros, pego algumas bolas de algodão, água oxigenada e esparadrapo. Pelo espelho do banheiro o corte foi feio mesmo, parece fundo. A remoção desse caco de vidro vai ser doloroso mas necessário.
Tirando aos poucos e mordendo uma toalha para abafar o grito, o caco foi saindo e o sangue foi escorrendo, deixei a toalha enrolada na cintura para não sujar mais o chão de sangue. O sangue escorria rápido pelo corte e encharcava a toalha. Quando finalmente tirei o restante do caco de vidro a dor foi insuportável, gritei horrores mordendo a toalha e chorava de dor... Eu sei que não posso pegar nenhuma infecção então abri a garrafinha de água oxigenada e joguei no corte, aquilo ardeu mais que o próprio fogo do inferno e ficava batendo o pé no chão mordendo firme a toalha, vi no espelho que estava saindo um pouco de sangue da minha boca, devo ter mordido forte demais e machucado a gengiva. Peguei a toalha do peito ainda enrolada, mesmo embabada em sangue, joguei mais água oxigenada no corte e amarrei a toalha na altura do peito bem apertado para não deixar o corte exposto. Vou ter que ficar assim durante um tempo antes de por o esparadrapo, esperar cicatrizar esse corte pode demorar um pouco mas tenho que cuidar disso, todo e qualquer cheiro de carne viva humana pode atrair esses zumbis.
Minha estadia aqui nesse módulo policial vai ser um pouco mais demorada que o esperado mas, assim que melhorar, vou para São Paulo, talvez consiga ajuda de alguém por lá e evitarei a estrada, pelo visto ela está mais tomada do que pensava e não tenho muito onde me esconder.
Sento na cadeira e vejo esse show de horrores pela janela espelhada fumê, o rádio continua com estática e pelo meu reflexo no vidro, estou com uma cara de quem tomou um baita porre...

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Fronteira PR/SP - pt. 2

Depois de uma noite muito bem dormida, como a muito não tinha, me sinto com mais vigor para até dar uns tiros em cabeças podres. Mas preciso relatar ainda os acontecimentos...
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A noite na guarita foi relativamente tranqüila. Mesmo me trancado em um sótão pequeno mas de bom espaço, o conforto do colchonete parecia um milagre e o travesseiro foi um achado mesmo. Fui ver pela pequena ventarola e vi o lado de fora... Tinha vários deles lá perambulando em volta. As luzes acesas durante a noite chamou mesmo a atenção deles. Por sorte ainda não me viram e também não me farejaram, isso é uma ótima oportunidade para treinar tiro ao alvo com eles. Abri o alçapão devagar para não fazer barulho e verifiquei se dentro da guarita não tinha nenhum deles, a paranóia é grande mas vai salvar minha vida.
Não tinha anda lá e lembrei do corpo da agente na entrada, meu deu um pouco de pena, imagino que ela tenha se matado no desespero e ela era muito nova ainda.
Enfim, melhor me livrar do corpo mas dessa vez vou fazer algo mais humano. Abri a porta que separava a sala de entrada do dormitório e pelo vidro fumê pude ver todos os zumbis ali andando mas eles não podiam me ver, tinha essa vantagem a meu favor. Peguei a arma que estava em sua mão que estava rígida em rigor mortis, coloquei no balcão onde estavam os controles e fui vasculhar os bolsos. Achei sua carteira e fui ver seu nome. Ao abrir a carteira uma foto pequena caiu com a foto dela abraçada com um rapaz aparentando a mesma idade e no colo uma criança pequena não aparentando mais de 1 ano... Isso me abalou muito mas tinha algo de familiar nesse rapaz. Ela usava uma aliança e quando dei por mim a foto desse moço era do mesmo zumbi que estava de olho na lanterna. O nome dela era Camila Rebeca, seu cabelo longo meio cacheado, loiro com cobre, sujo de sangue seco e sua pele meio branca meio cinza estava lá, caida no chão, imaginei que talvez ela tenha se desesperado ao ver o marido transformado, não quis nem pensar no que tinha acontecido a criança, para alguém como ela, treinada a ver muitas coisas e acidentes, tirar a própria vida, não deve ter sido nada agradável.
O nome do marido estava atrás da foto, Johnny V., na foto ele estava com rabo de cavalo, cabelo preto liso, olhos azuis, tamanho mediano, pelo que vi essa foto é meio antiga, o zumbi lá fora se assemelha muito mas está bem mais encorpado, o treinamento na polícia deve ter feito isso a ele mas aqueles olhos brancos, se ver bem, tem um tom azulado bem claro. Deve ser ele mesmo, ao pegar o microfone da mesa e apertar o botão de falar pelo auto-falante, falei o nome Johnny e ele se virou... era ele sim e pelo visto ainda tinha um pouco de memória. Ele deve ter se transformado muito recentemente então isso explicaria suas ações. Bom, tinha que dar um fim "quase" digno para a agente Camila. Peguei um cobertor no dormitório, enrolei no corpo dela, isso deu muito trabalho mas era necessário. Fiz uma espécie de mumificação com cobertor e esperei para ver se a passagem da porta da entrada estava livre e pelo visto eu estava cercado, mesmo que eles não queiram entrar, estavam lá vagando, atraídos de noite pelas luzes. Teria que esperar um pouco antes de colocá-la lá fora. Eu vi um rádio na mesa junto com um computador meio obsoleto. Tinha todas as funções de rádio de ondas curtas, deve ser com esse rádio que eles se comunicavam com a central e as viaturas. Pensei em usá-lo mais tarde, vai que dou sorte e consigo contato com alguém, talvez com o Luciano em Brasília, ele disse que talvez conseguiria um ou com qualquer outro sobrevivente. Sinto falta de ouvir outra voz.
Precisava urgente de um café e fui explorar com a curiosidade de uma criança em época de natal, a cozinha improvisada da guarita. Estranhamente estava mais preocupado em tomar um café do que com aquelas dezenas de 'podres' lá fora e sim, para minha sorte todos os agentes são viciados em café com açúcar. O fogareiro era elétrico, então o plano de explodir outro botijão já era mas pelo menos tinha como aquecer as coisas. Havia muito macarrão, miojo, molhos e enlatados, comida de acampamento mesmo para durar pelo menos uma semana. Então eu sei quanto tempo vou ficar aqui... Tem água e o banheiro é bem legal, posso finalmente tomar um banho e lavar as roupas íntimas, incrível como podemos sentir falta de meias e cuecas limpas, talvez seja por isso que minha mãe sempre me enchia o saco para me casar de novo (ha-ha)...
Enquanto a água fervia fui sujar o banheiro. Na minha mochila peguei todas as meias e cuecas que levava comigo e lavei no banho mesmo. Me senti quase normal fazendo isso, tinha bastante sabonete, shampoos, desses genéricos mesmo, desodorante e escovas de dentes de dentista do SUS e algumas pastas de dentes de uma marca que nunca ouvi falar mas enfim... Isso é mais que luxo para mim agora. Tomei um banho quente demorado, a água ia pro ralo quase marrom, estava mesmo sujo e com algumas manchas de sangue, fui lavando as peças de roupa quase que freneticamente, isso foi estranhamente relaxante, pude pensar com clareza sobre várias coisas e lembrar de tudo, uma retrospectiva de tudo que aconteceu de Brasília até aqui... Chuveiro elétrico é mesmo uma bênção, não dependo de água quente armazenada para sair logo do banho. Pude me sentir limpo de verdade depois de muito tempo.
Estendi as peças de roupa no dormitório apoiado no estrado do beliche na parte de baixo e fui passar o café. Aquilo era vida normal, mesmo que confinado em concreto, aquilo era normal, pude cozinhar um miojo com sardinha enlatada e um molho estranho que achei mas ainda na validade e comi com gosto. Sucos solúveis e água gelada no frigobar, era perfeito mas todo esse luxo tinha prazo para terminar. Uma semana, mais do que isso vai faltar comida, preciso me alimentar bem, ficar esperto para poder enfrentar essas coisas.
Voltei minha atenção ao rádio da sala de entrada, enquanto estava enrolando a massa no garfo e comendo sem prestar atenção, só olhava pro rádio e pensava com esperança se alguém iria me ouvir. Terminei de comer, coloquei a louça suja em uma bacia com água e me sentei de frente ao rádio com uma cara de palerma perdido. Esse modelo nunca vi e não faço a menor idéia de como funciona, a única coisa que sei disso aqui é o botão ON/OFF. Liguei o rádio e o som de estático ecoou pela sala, isso me deu uma sensação de isolamento ainda maior mas pelo menos não ouvia os gemidos dos mortos lá fora. Diminui um pouco o volume, não quero chamar atenção. Tinha um botão de freqüência e um outro com a função de "Scan", pelo que sei um pouco esse scan deve ser para achar sinal de rádio por aí sendo emitido, apertei ele uma vez e escutei o chiado diminuindo e voltando, alguns assovios mas nada de mais, apenas estática. Deixei o rádio varrendo os sinais em modo repetitivo e fui ver o computador. Ele estava on-line, incrivelmente funcional. Não acessava muita coisa, apenas o sistema integrado do ministério público, não tinha acesso a mais nada, nem chats, páginas sociais nem nada, apenas trabalho mesmo. tentei ver algum link de contato em tempo real mas sem sucesso. O som de estática assombrava o ambiente, me sentia totalmente isolado, essa sensação ruim estava me incomodando de verdade, estava mesmo angustiado, a sensação de isolamento estava acabando comigo até que tive a idéia brilhante de treinar tiros. Munição tinha, armas tinha e alvos, tinha um monte.
Subi até o sótão novamente, abri a caixa onde havia encontrando algumas armas e separei cada uma. Comecei com a pistola, era uma 750, eficiente mas fraca. Me deitei no colchonete e fiquei mirando pela ventarola até que dei o primeiro tiro. Acertei o pescoço de um deles, ele cambaleou bastante mas não caiu, os outros fitaram ele e começaram a olhar pros lados, um tiro de perto confunde a origem do som. Eles pararam de simplesmente vagar a esmo e ficaram em posição de 'alerta', isso foi preocupante, as reações são mesmo animalescas, eles ficaram espertos por aqui, viram um ser alvejado e procuraram a origem, alguns estavam farejando o ar, eu sei como isso funciona e torcia para que o cheiro de mofo do sótão me  escondesse do olfato deles.
Precisava chamar a atenção deles para outro lugar foi quando vi o caminhão do outro lado da estrada, imaginei que ao atirar nele o barulho iria atraí-los. E estava certo, um pouco de lógica me fez acertar um dos pneus e o barulho de ar escapando chamou a atenção deles, o movimento do caminhão tombando para o lado do pneu murchando fez com que o metal estalasse bastante e isso chamou bastante atenção deles. Eles foram em direção ao caminhão mas um ficou ali olhando pro vidro da entrada que ficava logo abaixo de mim, era o Johnny... Estranho chamar um monstro desses pelo nome mas ele tinha um e era mesmo Johnny, eu tentei imaginar o que o restinho de memória dele estava processando naquele momento, ele só podia ver seu próprio reflexo mas estava lá, como se soubesse que tinha mais coisa atrás daquele vidro espelhado escuro. Não vou atirar nele agora, ele pode ser útil em breve, eu vi o que ele pode fazer com outro desses mas agora era hora de deixar um cheiro de pólvora no ar...
*KPOW* - Acertei a cabeça daquele que estava com o pescoço perfurado e ele tombou na hora mas a atenção dos zumbis era tanta pro caminhão que nem notaram o baque do corpo no chão.
E fui atirando, sempre na cabeça...
*KPOW* *KPOW* *KPOW* *KPOW* *KPOW*
De 5 tiros derrubei 3 zumbis, até que é uma média aceitável, eu disse aceitável mas eu teria que ter derrubado 5. Economia de munição é importante e um tiro deve ser necessário para derrubar um zumbi, mas como estou com bastante munição aqui vou 'zuar' um pouco, mereço desestressar um pouco.
A mira estava boa, estranhamente eu atirava bem. Depois de brincar com a pistola parti para a ignorância e peguei a escopeta calibre 12.
*TEPAW* - O tiro era impressionante e o efeito melhor ainda, voou pedaço de carne podre para todo lado, derrubou alguns mas estavam vivos, faz bastante estrago mas só serviria para retardar um grupo de zumbis a médio alcance, melhor lembrar melhor disso.
O som da escopeta era muito forte e isso chamou a atenção de alguns deles para a guarita mas enquanto o pneu estivesse murchando o metal do caminhão estalaria e continuaria chamando a atenção deles.
Logo perderam o interesse pela guarita e continuaram olhando pro caminhão estalando, peguei a pistola de novo e atirei em outro pneu, não quero a atenção para cá, o pneu debaixo do carona era enorme e isso daria bastante tempo para chamar a atenção deles. Eu atirava bem com essa coisinha, e fui atirando e atirando, tomei um certo gosto macabro em estourar a cabeça deles, a cada cabeça aberta eu dava uma risada contida como um moleque fazendo arte escondido.
O que interrompeu essa 'diversão' foi um ruído novo no rádio. Escutei o que seria uma tentativa de voz metálica vindo da caixinha de som do aparelho. Desci correndo e fui ver o que era, a luz que indicava sinal estava piscando bem fraca e rápida, igual rádio doméstico quando encontra uma estação fraca, fui sintonizando manualmente para fazer uma sintonia fina e quando escutei uma frase que mudara todos os planos, tudo desmoronou, mesmo fraca, a voz dizia:

-... Paraná fechada... sshhhh... ...essshhhsstado ....sitiado.... ssshhhhsss ....fronteira comprometi... sssshhhhh ... repito.... comprometida....... ssssshhhhhhh.... 

Caí desesperado da cadeira, não podia crer naquilo, precisava entrar em contato com essa pessoa, era uma voz feminina.
Tentei me comunicar apertando o botão "Send" e nada, somente estática de novo.

-Alguém me escuta? Estou em um posto da PRF, alguém escuta? Estou cercado, tenho armas e munição mas estou cercado, alguém na escuta? Alguém? Meu nome é Cedric, alguém na escuta? Alô? Alô? ... ssshhhh...

Nada, nenhuma resposta, apenas estática... todas as minhas esperanças sumiram... o que eu poderia fazer? Ter o mesmo fim da Camila? Entrar em desespero, desistir depois de tão longe? Será que foi isso que ela escutou para desistir de vez?
Apenas estática, mas continuava tentando e tentando e tentando...
A luz do dia já estava indo embora e continuava tentando...
Hoje o céu escureceu mais rápido, nuvens pesadas de chuva estavam se aproximando e dava para ver a cortina cinza de água se aproximando, seria uma visão bonita se eu não estivesse tão... desesperado...

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Fronteira PR/SP - pt. 1

Me enganei, fui descuidado e isso quase me custou a vida. Os passos que escutei lá fora era de um zumbi também. O que será que está acontecendo? Ele andava normal, parecia uma pessoa normal mas estava com aqueles olhos brancos e a baba viscosa e negra escorrendo manchando a camiseta. Quando me viu pulou como um animal, rugindo uma fome medonha naquele berro gutural e correu atrás de mim. Para minha sorte eles continuam idiotas e não se atentam às coisas em volta. As armadilhas com pregos que montei no corredor de acesso até a porta de entrada funcionaram muito bem. Alguns rojões com pregos enfiados na entrada funcionam perfeitamente e o metal abafa a explosão da pólvora. Ótimo, era só cortar um pouco o pavio e puxar a cordinha na altura do pé que riscava aquilo e estourava. Aqui em São Paulo tem muitas casas de fogos e aqui onde moro tem bastante. Mas vou continuar meus relatos até minha chegada.
-
Depois da explosão daquela casa e a fuga com o carro até achar outro esconderijo, fiquei muito preocupado com a aparição desses zumbis mais rápidos ou menos podres. Imaginei que teriam mais correndo até minha direção.
A estrada em si estava deserta, alguns carros espalhados a esmo nos acostamentos e nada de surpreendente nas coisas que via. Portas encharcadas de sangue, vidros quebrados e alguns corpos meio devorados... normal.
A luz do dia estava indo embora, mesmo com o céu limpo o vento estava esfriando o ambiente, isso era ainda mais preocupante, clima frio ajuda essas criaturas mas era um bom sinal, São Paulo é meio frio mesmo então isso significa que estou chegando. O que normalmente demoraria por volta de 12 a 15 horas está demorando quase 3 semanas. Preciso me apressar, não quero ficar na estrada sozinho e a noite nesse frio. Não tem luz nessa parte da estrada, não tem postes e anda que indica que algum dia ali teve vida. Essa parte rural das estradas é assustadora, mesmo quando não havia zumbis por aí. O indicador de calor do motor está subindo, talvez tenha danificado o radiador naquele solavanco da casa, se continuar assim o carro vai morrer também.

(Piada interna? Espero que pelo menos meu carro vire zumbi e continue andando atrás de gasolina ha-ha...)


Parei o carro, abri o capô e realmente estava muito quente e vazava, o radiador estava bem estragado, a tela da frente estava amassado de uma forma que indicava que alguma coisa bateu de baixo para cima. Carros antigos não tinham a bandeja de proteção abaixo do radiador.
Vi aquilo e esperei alguns minutos para esfriar um pouco, pensei que teria que fazer isso de agora em diante, parar de tempos em tempos para esfriar o motor. Acendi um cigarro e fiquei olhando em volta enquanto estava sentado no teto do carro com minha arma em mãos, não sou besta de ficar com ela guardada caso aparecesse alguns desses corredores zumbis.
Estava tudo terrivelmente tranquilo, nada de mais mas a visão que tive que salvou esse resto de ano foi um pássaro voando lá no alto. Vendo agora, fazia tempo que não via outros animais perambulando por aí a não ser insetos. Foi o primeiro ser vivo que vi que realmente permaneceria vivo. Acompanhei o vôo do pássaro até ele sumir no horizonte e foi quando percebi uma estrutura pequena na beira da estrada mais à frente.
Acho que ali seria um bom esconderijo, o Sol já estava bem baixo, aquele maldito horário que, dependendo da posição, ele fica bem na cara e atrapalha a visão de qualquer um. Arranquei o capô do carro e segui até essa estrutura, pelo menos o vento iria refrescar o motor um pouco antes de derreter tudo e literalmente cair no chão como uma bola disforme de metal retorcido.
Chegando perto, era um sonho se realizando. Um posto da Polícia Rodoviária Federal. Os vidros são blindados, as paredes são fortes, tem banheiro, tem cozinha e tem VIATURAS!!! Lanternas, armas talvez? Munição? Pelo amor de DEUS, tenha café.
Tirei até uma foto com o celular para mostrar, foi um alívio tão grande encontrar um lugar protegido assim.

Tem antena de rádio, tem ar condicionado isso pode ser minha salvação. Eu sei que as viaturas estão com o tanque sempre cheio, tem 3 viaturas, uma caminhonete é perfeita para mim. Minha bagagem cresceu bastante nessa viagem e eu vi como as chuvas daqui deixam a estrada, não quero passar por aquilo de novo.
Tem 2 caminhões parados por perto, não vou ve-los, não sei dirigir bem um troço desses e não quero me arriscar. Vou passar um tempo nessa guarita mas primeiro preciso revistá-la por inteiro.
Dando uma olhada cautelosa dentro do carro ainda, não vejo anda se mexendo, isso é um bom sinal. Não vejo nenhum corpo no chão ou alguma sujeira de sangue, isso é um péssimo sinal. Parei o carro e deu para ouvir o radiador borbulhando como uma panela de pressão, acho que essa Belina aguentou bastante só para me trazer aqui. Esse é o fim dela, o motor já era e tem pouca gasolina também, mesmo com galões de gasolina no porta-malas, não abasteci porque ainda queria encontrar um carro maior.
Saí do carro e caminhei com arma em mãos, eu já estava bem com esse tipo de preparo, muitos sustos e enfrentar essa barra ao longo do tempo me deixou bem seguro para usar uma arma.
Primeiro fui ver as viaturas, estavam limpas, nada dentro, apenas o coldre da espingarda com ela dentro. Vou pegá-las assim que terminar aqui. Verifiquei outra viatura e estava tudo em ordem também. Fui ver minha querida Blazer que chamou minha atenção. Pensando bem, estou usando carros com nomes de letra B, que coisa... Ela também tinha uma espingarda, essas calibre 12 e pelo que vi atrás do banco do motorista, tinha muita, mas muita munição mesmo. Ao ver a parte de trás da caçamba, estava tudo em ordem. Tinha uma mala amarrada com um kit de resgate e um kit de primeiros socorros e alguns cones empilhados. Está tudo perfeito até então, parece que nunca forma usados, não tem nem marca de lama nas rodas ou no pára-lamas.
Preciso ver logo dentro da guarita, está ficando escuro e qualquer coisa agora é um vulto escuro. A porta estava trancada mas lembrei que vi um molho de chaves dentro da pick-up. Abri a porta e quando peguei o chaveiro, olhei pela janela do carona e tinha um ali, me olhando, os olhos brancos refletiam como olhos de um gato com lanterna, era inconfundível. Olhei logo para trás e não tinha nada, apenas aquele, não estava de uniforme mas tinha um porte físico respeitoso. Caminhava devagar mas muito certo para ser um zumbi. Soltava uns grunhidos que pareciam uma língua estrangeira mas sua expressão facial era de raiva, como de costume para os zumbis. Ele veio em minha direção dando a volta pelo carro, me afastei um pouco e acendi aquela minha lanterninha de pilha em sua direção junto com a arma. Ele parou na mesma hora e ficou na mesma posição. Ele reconheceu aquilo. Sua atenção ficou voltada para a lanterna, parou de me olhar, ele seguia a luz da lanterna. Mexi um pouco com o braço para ter certeza e sim, ele seguia com a cabeça a lâmpada da lanterna. Para cima, para baixo, para os lados, somente a cabeça, parecia um cachorro observando algo curioso, até pendeu a cabeça um pouco para o lado talvez na tentativa de "focar" melhor aquilo. Ele arfava devagar, parecia que estava relaxando... muito estranho aquilo.
Eu estava muito abismado com aquilo foi quando que no meu descuido outro zumbi aparece correndo de trás de um dos caminhões e corre em minha direção, mesmo com a arma apontada para esse zumbi mais perto iluminei o zumbi que se aproximava, a reação desse zumbi que estava perto de mim foi inusitada. Ele atacou o zumbi que vinha em minha direção. Ele segui a luz e quando viu aquele zumbi correndo sendo iluminado correu como uma besta-fera para cima. Eles brigaram como 2 animais selvagens disputando território ou comida, nesse caso, eu. Mas o zumbi que veio do caminhão estava focado em mim mesmo enquanto o outro o atacava. Não entendi aquela reação mas enfim, tinha que tirar proveito daquilo. Enquanto os dois estavam lá se atracando eu deixei a lanterna no chão iluminando aquela cena bizarra e peguei as chaves, corri até a porta da guarita e a abri. Desesperado para encontrar o interruptor no escuro para ver o que tinha dentro, estava sem a lanterna e o vidro blindado da guarita era insulfilmado, estava um breu total la dentro. Quando acendi a luz levei um susto. Tinha apenas o corpo de uma agente estendido no chão, segurando uma arma e com sua cabeça estourada. Tudo levava a crer que ela se matou. Fechei a porta e tranquei. Estava um gelo ali dentro, o ar condicionado funcionava perfeitamente mas estava na temperatura mínima. Acho que foi isso que evitou a decomposição acelerada dessa agente. Vi um painel logo abaixo dos vidros, uma mesa que ia de ponta a ponta. Achei o interruptor de luz externa e liguei. O zumbi do caminhão estava em pedaços e o outro estava ensangüentado olhando para a lanterna bem de perto, quase enfiando o nariz nela. Sua posição animalesca confirmava uma suspeita minha. Alguns transformados estavam agindo da forma mais primitiva de um humano, como um símio.
Vou deixá-lo com seu conforto de luz e vou vasculhar o resto da guarita. Não é grande mas é espaçosa, parece uma kit-net. Ao abrir a porta do que seria a entrada ou sala de controle que separa dos outros cômodos, encontrei o banheiro limpo sem uso, uma cozinha improvisada, um dormitório com um beliche com  colchonetes enrolados e cobertores pretos padronizados ao lado do banheiro. Estava tudo muito arrumado, tirando o corpo da entrada, estava tudo em ordem mas muito frio. Havia uma porta menor e mais estreita no dormitório, estava trancada, com duas trancas de chaves tetra e uma barra horizontal na sua frente apoiada em 2 ganchos. Simples mas muito eficaz.
Realmente, poderia ficar aqui por um bom tempo, essa porta, mesmo pequena, era de metal, as paredes, pelo que vi as que separa os cômodos, são bem grossas e o vidro da frente é blindado. Como que eu sei? Tem um adesivo no canto inferior esquerdo dizendo que é blindado e temperado. Simples não?
As janelas são pequenas, mas ainda da pra passar um corpo esguio por ali mas mesmo assim tem grades de ferro chumbadas nas paredes. Isso é ótimo. Estou mesmo seguro aqui. Percebi um alçapão no teto do dormitório, era um quadrado de tamanho exato para um corpo, mesmo robusto como o meu, passaria ali sem muitas dificuldades. Tive que verificar isso também. Subi no beliche e empurrei a tampa. Havia um interruptor improvisado já de cara e ao acender vi que era parecido com um sótão pequeno. Dava para ver as vigas dessa construção. Achei que era um forro mas o teto era alvenaria mesmo, forte e resistente, acho que tinham planos para um segundo andar. O sótão, mesmo pequeno, dava para se locomover agachado e havia uma janela horizontal, fina, que abria da mesma forma daqueles basculantes de janela residencial. Abaixa uma alavanca e o vidro fica na diagonal mas esse ficava inteiro reto e tinha uma caixa grande perto da janela. Tive que abrir e para minha surpresa, muitas armas. Muitas, munições e algumas algemas. Deve ser o "paiol" daqui, tinha bastante arma e munição mas pelo que notei era o suficiente para 4 ou 5 pessoas andarem bem armadas. Tinha um binóculo, isso é muito útil e já coloquei o laço no pescoço para levar comigo. Invasão por cima também está fora de cogitação, mesmo se quebrarem as telhas, o alçapão é feito de metal também e é bastante pesado e ainda tem uma fechadura. Por dentro e por fora. Isso é bom saber, qualquer coisa tenho onde me esconder e armado. Estou mesmo cansado, por via das dúvidas vou dormir aqui em cima hoje.
Desci, peguei o colchonete e o cobertor. Me dei ao luxo de pegar um travesseiro também, coloquei tudo ali em cima junto com uma garrafa de água de 5 litros lacrada que achei na cozinha improvisada e subi, tranquei o alçapão e fiquei vendo pela janelinha as coisas lá fora. Deixei as luzes acesas caso algum sobrevivente passe por aqui, pode ser irresponsável da minha parte chamar tanta atenção, afinal, são holofotes fortes para iluminar toda essa incluindo a balança dos caminhões mas prefiro saber o que está vindo do que ficar na dúvida e só escutar barulhos estranhos. Torci para que esse zumbi da lanterna ataque outros que vierem, ele é muito forte mesmo e rápido, prefiro ele atacando os outros como um cão de guarda louco do que correr atrás de mim, e lá ele ficou, olhando a lanterna acesa mesmo com tanta luz acima dele.
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Estou exausto, comi bastante e hoje dei uma olhada pela vizinhança procurando alguma coisa ou alguém mas só vejo zumbis. Não escuto tiros, barulho de carro nem de animais, somente os gemidos abafados dos zumbis andando de noite por aqui perto. Essa casa em São Paulo é um ótimo refúgio mas preciso chegar logo em Curitiba, amanhã relatarei maiores informações da guarita, preciso dormir e repor as energias, hoje tive que fugir de alguns corredores, estou evitando ao máximo dar tiros, isso atrai muito deles.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Casa da estrada - pt. 4

Consegui um tempo depois de tanta correria. Devo alertá-los de que São Paulo está o verdadeiro inferno e que realmente não tive tempo, condições ou como relatar os acontecidos. Agora estou em uma casa na zona leste, eu sei que é zona leste por um grafite no muro, não sei o nome da rua, não sei o número da casa, sua entrada é pequena e escondida, foi realmente um achado encontrar esse canto para me esconder e conseguir por em dia meu relatório de sobrevivência.
No meu último relatório estava descrevendo o que aconteceu naquela casa velha o qual encontrei um desses troços no sofá em estado avançado de decomposição e um "visitante" que infelizmente acabou se tornando um deles. Vou relatar com maiores detalhes, essa pode ser a unica coisa que sobrou da humanidade e espero que se, por um acaso, isso acabar, esses relatos sejam bem detalhados para evitarem esse holocausto novamente.
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Por fim, o camarada fechou seus olhos e o amordacei para que eu não corresse o risco de ser atacado. Posicionei a faca logo atrás de seu queixo esperando que ele "voltasse", ainda sou humano e não quero matar outro humano... Sua volta foi dolorosa e lenta, ele abriu seus olhos já esbranquiçados, não conseguia focar em nada e gemia como um animal sofrendo. Tive um certo receio de matá-lo, cara, isso não faz parte da minha natureza, mesmo sendo um monstro, ele conversou comigo, orou comigo e esperou forte por seu fim. O inevitável aconteceu, ao vê-lo naquele estado tive que enfiar a faca fundo, mesmo assim ele não morreu de vez. Ao torcer a faca ele soltou um gemido mais agudo e parou de se mexer.
Ainda tinha que me preocupar com o que ele havia me dito antes, alguns dos zumbis o seguiu durante o caminho, e esses eram rápidos, carne ainda fresca e uma fome sem fim. Teria que me preparar para esse confronto já que, segundo ele, eram 5 ou 6 que estavam correndo para cá. Tinha que pensar rápido, tinha que fortificar essa casa de madeira de alguma forma e tinha que me preparar para dar muitos tiros e correr, mas correr muito.
Estava amanhecendo, por aqui amanhece cedo mesmo, os raios do Sol já tocavam o chão e eu ali pensando, meu sono sumiu como por milagre, meu estado de nervos me mantinha em alerta constante e mesmo assim não me sentia cansado. Não suava, estava quente e mesmo assim não suava. Todo e qualquer barulho me chamava atenção.
Eu sei que os efeitos desse stress todo um dia vão acabar me matando do coração mas agora não é hora de pensar em morrer e sim pensar em como não morrer.
Tive um plano meio doido, espero que isso funcione ou eu nem chego a virar zumbi, pensei de imediato naquele botijão de gás... a única frase que passou pela minha cabeça foi: -"Cara, isso vai dar merda!"
Meu plano era idiotamente simples, fechar todas as janelas, trancar tudo e deixar apenas um meio deles entrarem e quando entrarem, trancá-los lá dentro e BUM, simples não?
Não, definitivamente não mas vamos tentar fazer essa loucura. O desespero é uma das mães da genialidade estúpida.
Coloquei o botijão na entrada da cozinha, ficava perto da janela mas decidi por mais próximo da entrada onde estaria os possíveis zumbis. Fechei todas as janelas, algumas com dificuldade, a madeira era velha e parecia que algumas não eram mexidas a anos, suas travas eram simples mas eficientes e depois de todas as janelas voltei minha atenção à porta. Tinha que arrumar um jeito de trancá-la bem e por fora. Assim, quando todos eles estivessem dentro, seria trancá-los e BUM. Ta, ok, admito que estou empolgado em explodir alguma coisa e fazer muita bagunça.
Antes de sair da casa para planejar mais alguma coisa dei uma olhadela pelas frestas da janela. Era de dia e estava incrivelmente ensolarado, pela minha experiência, isso iria reduzir bastante o ritmo dos zumbis, espero que reduza bastante mesmo, para me dar tempo de executar meus planos ou pelo simples fato de apodrecê-los no caminho e não ser perseguido por zumbis ligeiros.
A barra estava limpa, não tinha nada lá fora se mexendo, apenas a poeira da estradinha que ligava esse terreno até a estrada que graças a Deus estava seca mas isso atolou meu carro. As rodas estava até a metade enterradas, ainda mais essa, como tirar o carro de perto da explosão?
Para minha sorte a tração da Belina é traseira, foi só colocar um monte de mato atrás das rodas e acelerar com tudo dando a ré. Funcionou, ainda bem que funcionou. Os solavancos do carro saindo dos buracos foi feio, escutei algo se partindo mas não vou me preocupar agora com isso, preciso resolver esse problema da porta.
No lado de fora da casa eu vi alguns entulhos, vi um pedaço de madeira que serviria de calço para a porta, quando entrarem, era só colocar o calço na parte inferior da porta entre ela e o chão e voi lá, porta trancada ou bastante difícil de abrir.
Agora a pior parte... servir de isca... Essa não foi a parte mais "planejada" por assim dizer. Tinha que dar um jeito de atrair os zumbis, sair e trancar a porta para depois dar um jeito no botijão. Sair pela janela do quarto está fora de questão, o mato lá atrás é denso e não vou me expor a uma área de risco então eu reparei que o chão era de madeira também, de tábuas e essa casa estava erguida por colunas de tijolos que a deixava consideravelmente acima do solo. Isso me deu uma ótima idéia. Se esgueirar por baixo da casa e de surpresa trancar a porta e BUM. Mais bum, eu sei, eu sei, não me reprimam, estou mesmo animado para explodi-los.
Tirei algumas tábuas do chão e fui dar uma olhada no que tinha embaixo. Tirando alguns insetos medonhos que normalmente vivem nesse ambiente, não havia mais nada além de mato. Mato ralo ainda, pouco Sol não deixa as plantas crescerem muito.
Vi que poderia engatinhar tranquilo até ao lado da escada de entrada e trancar a porta. Testei esse caminho algumas vezes para me certificar que estaria realmente preparado para engatinha rápido. Alguns ralados no joelho e sujeira na mão não iriam me matar.
Agora estava quase pronto, poderia atraí-los para a casa, deixar com que entrem, ficarem se batendo na porta do quarto que espertamente tranquei com o guarda roupas velho na frente e aguardar. Tinha que me livrar do corpo desse camarada com a faca no queixo, joguei simplesmente para fora da casa. Destrancar a janela foi odioso, esqueci de jogar o corpo fora antes, mas tinha que fazer, não quero nada fedendo aqui enquanto eu estiver por aqui. Joguei o corpo fora, saiu rolando pelo mato e lá ficou, ao começar a fechar a janela escutei alguns gritos vindo de longe, me arrepiei na hora, deu para sentir até a pupila dilatar de medo. Não pensei que chegariam tão rápido e pelos urros, eram muitos, mas muitos mesmo. Tive que colocar em prática o plano bem antes do previsto, e nem sabia como iria fazer aquela porcaria de botijão explodir. Dane-se, dou um jeito na hora. Antes de terminar esse pensamento escutei a porta da frente sendo empurrada, a casa toda rangia, isso era uma grande vantagem para mim. Fiquei em silêncio e parado só escutando as criaturas entrarem.
Passo a passo eles iam entrando, escutava seus gemidos, urros e outros sons que eu esperava que saíssem de ex-vivos humanos.
Lembrei na hora que sons e cheiros o atraiam, nessa hora comecei a suar e nessa mesma hora ouvi uma batida na porta, como um soco mole de um bêbado querendo entrar em casa e sem forças para por a chave na fechadura. Essa imagem quase me fez rir na hora.
E ouvia mais e mais socos na porta, não parava mais, quase mandei todos pararem mas isso seria uma grande burrice. Eles sentiram meu cheiro, óbvio, estava com uma 'asa' desgraçada e a roupa iria por conta própria para a lavanderia se eu deixasse. O rangido da escada cessou, isso significa que estavam todos dentro da casa, ouvia passos rápidos, alguns lentos e gritos fortes, a garganta desse estava inteira ainda e isso não é bom sinal. Esse era recém transformado e arfava, como uma pessoa enraivecida, nunca havia escutado isso antes, arfava como um animal...
Era hora de por o plano em prática. Comecei a dar pisadas fortes no chão para atraí-los até a porta e funcionou bem, muito bem. Os socos na porta soavam quase como uníssono, não tinha mais pausas entre as batidas, estava furiosos atrás de mim e o guarda roupas estava tremendo com tantas pancadas. Se estivesse só a porta certamente já estariam aqui dentro. Arranquei as tábuas do chão, coloquei uma música que achei no computador para tocar bem alto em looping para continuar atraindo eles e me joguei para debaixo da casa. Olhei rápido em volta para ver se não tinha mais nada se esgueirando mas nada, estavam mesmo dentro da casa. Coloquei as tábuas no lugar sobre minha cabeça e quando terminei de encaixar a última no lugar um estrondo fez a casa toda tremer. Esmurraram tanto a porta que derrubaram o guarda roupas e para minha sorte caiu bem em cima das tábuas que eu havia soltado para fugir por debaixo. Ao olhar nas frestas do chão deu para ver os zumbis se aglomerando em volta do computador para saberem o que é aquilo. Muitos estavam com aparência de vivos ainda, aquilo me deixou mal, havia crianças ali no grupo.
Tinha que aproveitar dessa distração extra e correr até a entrada para fechar a porta. Consegui engatinhar muito rápido, depois de alguns treinos me senti o máximo naquilo. Já perto da escada rolei para fora e em um pulo fui fechar a porta quando vi um garoto parado em pé na minha frente bem na porta. Aquilo me assustou um bocado, não imaginava aquilo, ele não foi atrás do som, ficou olhando a porta... Ao me ver ele quase fez uma expressão de susto também e urrou, se preparou para pular em mim como um gato, fiquei ali parado vendo aquele guri cinza com olheiras e magrelo me encarando como comida, o urro dele atraiu a atenção dos outros que estavam no quarto. Em um pulo saiu um deles, ele tinha feições grotescas, era enorme e ficou parado rosnando para mim em uma posição que lembrava muito um macaco. Acho que foi instinto, tirei a arma da cintura e acertei a cabeça do garoto, o outro grandalhão ficou vendo ele no chão e depois me encarou com mais raiva ainda, babava uma coisa viscosa negra e o cheiro de podre era muito forte, mesmo aparentando ser recém transformado. Quando vi que ele se contraiu para pular fechei a porta e segurei com o ombro até colocar o calço, senti um baque tremendo na porta, chegou a doer o ombro com a pancada e escutava os berros dele vindo de trás. Batia cada vez mais forte na porta e quando consegui calçar a porta o último murro dele fez com que a porta rachasse. Não tinha mais tempo, aquela porta não ia aguentar. Tive tempo o bastante para olhar para os lados e ver se não tinha mais nenhum parado por ali, e não tinha. Tive que arrumar um jeito de explodir logo aquele botijão mas nada me veio a cabeça. Corri para perto da janela da cozinha e de cabeça tentei mirar a posição do botijão e atirei. Errei, isso fez com que eles viessem até a cozinha e certamente a janela não iria aguentar as pancadas. Tinha mais 4 tiros, foi na sorte que acertei no próximo tiro, só escutei o som de metal e do gás vazando. Já era um bom sinal mas a janela começou a sacudir, um dos zumbis estava empurrando querendo arrombar a janela para me comer. Atirei o resto das balas até comecei a escutar um som parecido com aquele som de isqueiro com inseticida. Quando você faz um lança-chamas caseiro, toda criança já fez essa asneira e o efeito do botijão foi o mesmo. O som de fogareiro me aliviou um pouco e os gritos e urros dos zumbis soavam como desespero, me afastava da casa temendo pela explosão e escutava o botijão rolando e girando, a pressão do gás estava fazendo ele se mexer e rodar soltando aquele fogo todo. Quando começou a sair fumaça da casa corri até o carro, me tranquei por dentro e tentei dar a partida. Ficava vendo a casa tentando dar a partida desesperado, não quero estar perto se explodir. A janela da cozinha estourou com o pulo de um dos zumbis que corria em pânico pegando fogo, se não matasse na explosão pelo menos queimava eles até os ossos. Ele correu rápido demais até que começou a usar ajuda dos braços para correr, realmente parecia um chimpanzé correndo, aquilo foi grotesco e me deixou muito no que pensar. Ele corria muito, sem direção definida, apenas corria, será que sentia dor?
Seu corpo estava totalmente coberto pelo fogo, ele não via, não cheirava nem ouvia, já deve ter consumido todas as mucosas da cabeça mas ainda corria muito. Consegui dar a partida no carro e acelerei sentido São Paulo, pelo menos havia me livrado desses zumbis, fiquei vendo pelo retrovisor se nada iria correr atrás de mim mas nada, só vi a casa começando a pegar fogo e a fumaça preta encobrindo o Sol ali, até que simplesmente BUM, explodiu, mas explodiu forte, deu para sentir a onda da explosão nos vidros do carro, foi uma explosão linda na verdade, era isso que eu queria ter visto, não sobrou nada, deu para ver pedaços de carnes meio carbonizadas caindo em todas as direções, caiu uma no capô que chegou a amassar um pouco. Fui acelerando mais para aproveitar o máximo possível da luz do dia até achar outro esconderijo, não quero me arriscar a passar uma noite na estrada sabendo que tem zumbis como esses por aí.
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Tenho que interromper agora o relato, escutei passos aqui perto e não são passos errantes, acho que tem algum sobrevivente aqui perto e preciso verificar.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Casa da estrada - pt. 3

Acho que cochilei novamente, nem me preocupei com a pessoa lá dentro do quarto. Não sei se é um deles, se é um sobrevivente que viu a janela aberta como uma oportunidade para se esconder...
As botas estão secas e as meias também, vou calçá-los e averiguar o que é afinal de contas. Calço as botas, me preparo psicologicamente e vou até a porta do quarto fechado.
Destranco e abro vagarosamente com a arma apontada apontada para onde possivelmente estará o corpo, com as mãos trêmulas vou abrindo a porta e encontro ali o corpo. Não parece um deles, está respirando com uma certa dificuldade, não vi dessas coisas respirando, suponho que seja um sobrevivente, a luz está fraca mas da para ver os movimentos do corpo. Cutuco com o cano da arma a cabeça e ele acorda, ao se virar vejo que ele está bastante ferido, seu rosto está arranhado e tem uma marca profunda no ombro. Pergunto quem é ele e como chegou aqui e ele me diz que fugiu de um bloqueio da estrada logo mais atrás e se escondeu no mato.
Imaginei até que bloqueio seria, deve ter sido aquele ao qual passei, onde havia vários carros parados, mas se era um bloqueio, por que todos os veículos estavam no acostamento? Essa era uma pergunta que eu preferi guardar para mim mesmo e o deixei falar.
Ele foi falando, com dificuldade e pedi muito por água, dizia que estava com uma sede interminável, que estava com frio, dava para ver seu corpo tremendo de frio mesmo, suava muito e sentia o calor da febre ao chegar perto. Ainda me disse que foi atacado por um bando dessas coisas, que correram atrás dele e um o arranhou e mordeu. Eu sabia o que isso significava, esse sujeito estava condenado a se transformar em um desses. Eu teria que atirar nele mas precisava de maiores informações, talvez dar a ele um final de vida mais confortável, não posso virar um monstro desalmado com sobreviventes, mesmo que tenham apenas algumas horas de vida.
Ele me disse que estava vindo de São Paulo, a cidade virou um caos, um surto populacional de zumbis da noite para o dia. Os primeiros infectados foram os moradores de rua, poucos desconfiaram do comportamento por se tratar de mendigos aparentemente bebados ou drogados até que começaram a atacar as pessoas. A polícia foi acionada mas atacaram em bandos, ninguém está psicologicamente preparado para um ataque de mordidas animalescas ou unhas. A polícia rapidamente foi tomada e em seguida as ambulâncias, os serviços de urgência foram os primeiros a serem tomados e consequentemente a população.
Acidentes com o metro, ônibus e outros meios de transportes coletivos haviam sido alvos dos ataques deles, muita gente e pouco espaço para fuga. Ele contava com lágrimas nos olhos, deve ter visto coisas horríveis.
Comentou que muitos prédios começaram a pegar fogo, o pânico tomou conta da capital paulista, pessoas pulavam das janelas, igrejas eram invadidas, casas eram saqueadas, correria e por fum um apagão na cidade. Não havia energia e qualquer ponto de luz era seguido pelos zumbis. Perguntei como que a luz simplesmente foi cortada e ele me disse que o exército havia cortado a energia como forma de sitiar a cidade mas isso acabou ajudando mesmo os monstros, ele me disse que viu vários deles farejando o ar, alguns se moviam como animais, corriam com a ajuda das mãos e braços, que pareciam gorilas enrivecidos. Alguns pulavam e eram muito ágeis, corriam em bando para caçar qualquer criatura de sangue quente. Cães, gatos e outros animais eram comidos também.
Contei que em Brasília não estava assim, os zumbis eram lerdos e não havia nenhum correndo ou com alguma característica que ele descreveu.
Ele não falava direito, devia estar muito cansado mesmo, bebia litros de água e ainda reclamava da sede. Disse que poderia me ajudar a fechar a janela do quarto, o que ele me disse realmente me preocupou, não quero nenhum homem-macaco zumbi pulando essa janela. Fechamos e levantamos a cama para tapá-la, era um ponto cego na casa ao qual não queria arriscar a segurança.
Ele se sentou no sofá, expliquei a ele o que havia acontecido aqui, ele não ligou muito, estava ofegante e cansado, perguntou para onde eu estava indo. Disse que estava indo para Curitiba, que tinha escutado notícias de que lá a epidemia estava contida e tinha conhecidos e abrigo lá. Me perguntou ainda se tinha transporte mas disse que estava atolado, mesmo com a chuva diminuindo precisava esperar a lama secar um pouco para sair com o carro. Estava preso ali mesmo.
Ele notou minha aflição, perguntou porque estava tão nervoso, eu sabia que pessoas mordidas eram transformadas naquilo, parece que ele não sabe e pelo visto a doença estava bem avançada já em seu corpo. Seu suor não era mais apenas água, era quase viscoso, ele estava ficando pálido e fraco, não conseguia manter os olhos abertos por muito tempo. Ele tinha um cheiro de sangue e carne velha, não cheiro de carne podre mas um cheiro que me lembrou açougue em dias quentes, não era agradável. Por fim ele fechou os olhos.
Apontei a arma para sua cabeça esperando ele "voltar", engatilhei e fiquei esperando, tinha que me controlar, não levar susto, ser sangue frio, manter o controle das mãos e dos nervos, ainda assim eu tremia, minha respiração ficou pesada, só escutava a chuva que diminuia, o vento que ainda estava forte lá fora mexendo as folhagens do mato e o pulsar forte do meu coração no ouvido. Senti o suor escorrer na minha testa e acumular nas sombrancelhas, estava mesmo nervoso mas não poderia vacilar.
Senti minhas pernas tremerem, acho que se precisasse correr agora eu cairia, não tinha mesmo o que fazer, só esperar pelo inevitável.
Ele abriu os olhos mas sua respiração ainda soltava vapor devido ao frio, quase atirei e ele se assustou ao abrir o olho e ver aquela arma apontada para sua cara. Com uma cara de espanto e cansado ele me perguntou o que eu estava fazendo. Expliquei que ele vai virar um daqueles zumbis, pessoas mordidas viram mais rápido e as arranhadas também, mas demora um pouco mais para a infecção se espalhar.
Ele baixou os olhos, ele sabia que eu estava certo, acentiu com a cabeça e pediu para que eu esperasse ele deixar de ser um vivo antes de atirar nele.
Confirmei com a cabeça e lhe dei um cigarro, estava acabando mas era o único luxo naquela hora e naquele lugar. Ele fumou, bebeu meu café e esperou. Começou a me falar de tudo que havia visto em São Paulo.
Seus relatos eram assustadores, pessoas correndo ensanguentadas, zumbis caçando como animais, dando bote ou em grupo. Ele me disse que tinha perdido as esperanças quando um certo dia parou de ouvir tiros pela cidade. Ele estava escondido em um apartamento alto, no centro de São Paulo, que via tudo acontecendo pela janela, tiros e gritos, explosões, corpos queimando na rua e alguns correndo mesmo pegando fogo. Parece que atear fogo em zumbi não adianta muito coisa, não de imediato. O exército nas ruas atirando, foram cercados e devorados. Não sobrou nada, apenas zumbis na rua, andando sem rumo farejando o ar, olhando para os lados procurando por algo. De noite só ouvia os gemidos da cidade, estava tudo silencioso, nenhum tiro, nenhuma evidência de resistência, nada. Foi quando ele decidiu fugir, pegou seu carro, aproveitando os raros momentos de "sonolência" dos zumbis e correu. Ele me disse que ao olhar pelo retrovisor viu vários deles correndo atrás por vários quilômetros, disse que acelerou e foi embora pela estrada mas que estava muito assustado e bateu com o carro em outro veículo parado no caminho. O carro continuou andando mas super aqueceu e parou na estrada. Ficou andando por horas pelo acostamento tentando achar um lugar seguro mas não conseguiu. Disse que algumas horas depois ele viu o mesmo bando de longe, correndo pela estrada, estava na trilha dele ainda e estava correndo muito rápidos e alguns corriam com a ajuda dos braços. Foi quando ele se escondeu no mato e veio correndo por ele, no desespero não pensou direito, apenas correu pelo mato e via eles correndo em sua direção, disse que correu por vários quilômetros até achar a janela e pular dentro e acordar com a minha arma apontada para ele.
Quando ele contou isso ele se tocou, parece que ele viu minha expressão, eu havia arregalado os olhos e ele só pode soltar um palavrão baixinho.
Ele mesmo disse que se ele estava aqui, os zumbis seguiram seu rastro até aqui.
Perguntei como, onde e quando ele havia sido mordido, ele disse que quando estava entrando no carro um deles pulou sobre o carro e o atacou.
Só pude dizer que ele havia muito pouco tempo como vivo mas mesmo assim não poderia atirar nele, o barulho iria atrair os que seguiram. Ele parou para pensar e surpreendentemente me falou para fazer uma coisa: Amarrá-lo, amordaçá-lo e matar de novo mas de outro jeito que não chame atenção. Aceitei a proposta, ele pediu desculpas por ter atraido essa confusão para cá e que não queria mais correr, estava cansado e começando a ficar com um sono estranho. Procuramos pela casa com o que amarrá-lo mas não encontramos cordas. Não iríamos sair da casa para procurar do lado de fora. Fomos até o quarto e abrimos o armário, vi sapatos com cadarço, isso iria servir. Tinha alguns cintos também, isso iria ajudar.
Amarrei suas mãos para trás com os cadarços, deixei bem preso e seus pés também. Disse que para previr iria amarrar seu pescoço na cama levantada no estrado, ele poderia ficar sentado mas quando voltar como um deles, não teria como se mexer muito, ele aceitou e disse para eu ser rápido, ele estava sentindo seu corpo enrigecer, seus lábios estava azulados e estava com a pele totalmente pálida até agora. Isso me lembrou a cena daquela moça em Brasília, a moça do mercado. Os sintomas eram iguais e em menos de 10 minutos estava comendo seu colega de trabalho.
Lá estava ele, amarrado, preso como um animal que iria se transformar e me olhou. Fitou bem em meus olhos e chorou, pedindo perdão pelo trabalho e pelo provável trabalho que vai me dar depois. Sentei na sua frente e agradeci pela companhia, fazia tempo que não conversava com ninguém e que era bom escutar outro humano para variar. Me sentia péssimo com aquilo tudo mas era necessário e ele mesmo percebeu que era necessário.
Ele só pediu para que antes amordaçá-lo, esperasse ele parar de respirar, não queria morrer assim. Ele disse que queria fazer uma oração pela sua alma e pela minha, agradeci sua gentileza e o deixei com sua oração.
Enquanto escutava o murmurinho do quarto eu sabia que ainda estava vivo mas agora, aqui na cozinha, precisava encontrar algo para matá-lo de vez. Não tinha nada, encontrei uma frigideira mas isso não iria fazer muito efeito e o barulho chamaria muito atenção.
Encontrei uma faca de cozinha, não era como aquelas grandes de carne mas tinha um bom tamanho de lâmina. Agora comecei a pensar em como cravar essa faca na cabeça dele.
Quando me dei conta eu estava péssimo, estava planejando a maneira de matar uma pesoa que estava orando por mim... No que me tornei...
Meus pensamentos foram cortados com a tosse seca e fraca dele vindo do quarto. Sabia que estava chegando a hora, não tinha jeito, teria que improvisar na hora.
Ao chegar no quarto, eu não mostrei a faca, não queria que isso fosse sua última visão como vivo. Ele me olhou com muito esforço, com um sorriso de canto de boca e falou "amém", e sua cabeça pendeu para frente. Peguei o pano de prato que tinha achado antes para o café, enrolei e amordacei sua boca morta. Agora é só esperar sua volta, tirei a faca da cintura e medi o tamanho da lâmina entrando logo atrás do queixo até em cima, o tamanho foi suficiente para passar dos olhos, isso iria matá-lo de vez com certeza. Posicionei a faca atrás de seu queixo e esperei ele se mexer...

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Casa da estrada - pt. 2

O som de um trovão me fez dar um pequeno pulo sentado. Acho que peguei no sono, mesmo de noite, isso foi um erro. Consegui passar café lavando um pano de prato velho que encontrei, não ficou lá aquela maravilha mas melhor que nada. Com a iluminação de apenas 1 vela no meio da sala para não chamar muita atenção, olho em volta. Pelo barulho a chuva está diminuindo gradativamente mas ainda está forte. As goteiras se tornaram verdadeiros tormentos, não posso por nada embaixo para segurar as gotas por causa do barulho, as poças nessa casa só não estão maiores porque o assoalho velho deve ter mais buracos do que o próprio telhado.
Me levanto com dores nas costas e formigamento nas coxas, dormir sentado não é bom, as dores musculares estão ficando cada vez mais fortes, acho que a tensão e a descarga constante de adrenalina estão fazendo com que meus músculos fiquem doloridos mais ainda.
Como ainda tem sinal aqui, dei uma olhada rápida nos relatos de outros sobreviventes, Luciano parece bem e a Anna cortou o cabelo, parece que encontraram uma vizinha em uma casa mais afastada no telhado segurando uma arma de grosso calibre.
Brasília... fico imaginando como deve estar o casal de aposentados que tão gentilmente me hospedaram em sua casa. Será que estão bem? Será que estão precisando de ajuda? Temo pelo pior...
Prefiro manter o foco na minha ida para Curitiba, a esperança de que a doença esteja contida é grande mas com o tempo acredito que eu tenha cometido uma grande bobagem em me aventurar na estrada sozinho em um estado de alerta mundial.
A folhagem do mato atrás da casa está muito agitada, o vento está bastante frio, mesmo dentro da casa, minha respiração está saindo como vapor, não estou sentindo muito frio, um desconforto leve apenas nos pés, tive que tirar a bota e pendurar as meias em um varal improvisado que fiz na sala. Ficar com uma bota molhada por muito tempo no pé é uma péssima idéia.
Muito das coisas que quero agora estão no carro, não imaginei que ficaria mais do que algumas horas nessa casa e agora já se vão mais de 24 horas aqui ilhado pela lama que, pelo menos, não subiu mais.
Toda essa folhagem se movimentando lá fora pelo vento me deixa agoniado, fico imaginando os horrores que deve ter por lá, milhares e milhares deles andando alí, perdidos, sentindo um cheiro bem leve de carne humana já que o vento não permite que eles faregem melhor. Algumas gotas maiores de chuva caem na lama fazendo um barulho parecido com passos, sem ritmo, parece muito com o andar deles. A paranóia que me consome de noite tem me dado dores de cabeça horríveis e estou sem nada para isso, aspirina, dorflex, nada, absolutamente nada. Creio que o máximo de medicamento que possuo é o kit de primeiros socorros veicular, faixas, água oxigenada e esparadrapos. Se eu me cortar feio estou bem pelo menos.
O vento continua uivando lá fora, a sensação de abandono e isolamento tem me deprimido um pouco, as vezes me pego pensando alto, achando que estava apenas na cabeça mas estou falando pela boca, enquanto não estiver falando sozinho creio que eu ainda esteja bem psicologicamente.
Fico lembrando do meu filho, está a salvo na europa estudando, deve estar a parte de todo esse problema nas américas, deve estar muito preocupado comigo mas não faço a menor idéia de como entrar em contato com ele. Tentei e-mails e nada, sempre diz que a caixa postal está bloqueada. Alguns sites europeus não estão sendo mostrados dizendo que o acesso é restrito. Será que bloquearam todos os IPs daqui?
Não duvidaria, bloquear o acesso totalmente envolve fisicamente e eletronicamente. Deve ter algum motivo para isso mas não possuo um conhecimento de informática tão avançado assim para burlar esse bloqueio.
Fico pensando também nessa moça que me deparei aqui nessa casa. Quem era ela? O que ela fazia?
Ainda tudo silencioso, fora a chuva claro. Esse suspense me mata, notei que estou com um tique nervoso no polegar da mão direita. Ele fica tremendo e de repente ele da um "joinha". Poderia ser por, poderia ser um tique no dedo do meio...
Esse pensamento positivo vai acabar me atrapalhando...
Tem algo na janela do quarto que fechei. O som claro que mãos molhadas batendo e se apoiando no beiral da janela me preocupa. Isso significa que esse zumbi é um dos inteiros, chego lentamente perto da porta com a arma em mãos e fico escutando o som que sai de dentro do quarto. Escuto o roçar da roupa pela janela, está entrando mas lentamente, com muito esforço, parece que está quase dentro.
O som de corpo caindo no chão de forma desengonçada foi bem nítido e o som que esta me apavorando é de corpo se arrastando pelo chão até a porta. Uma arranhada na porta, é agora, vou ter que atirar, vou ter que fazer barulho, vou ter que engolir seco e tomar coragem.
Um baque seco no chão e silêncio. Não está mais vindo som nenhum. A porta está trancada de qualquer forma, tenho essa pequena vantagem, pelo visto esse pode ser um dos inteiros mas está meio chumbado nas pernas. Vou verificar isso quando amanhecer, não quero um confronto no escuro.
Vou sentar ao lado da porta com a arma na mão, não quero correr riscos desnecessários, minha respiração está acelerada, como não tem mais som nenhum, consigo escutar meus batimentos no ouvido, meu corpo treme e minha mão mais ainda, espero que seque logo minha bota e as meias, não quero correr por aí descalço.
Estou com medo... com medo e sozinho.