quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Dia Z - pt. 3

Chegando no Gilberto Salomão dei de cara com o que eu temia. Vários corpos pelo chão, alguns com alguém por cima ainda abocanhando e rasgando com a mão o resto dos tecidos.
Tinha muito, muito sangue mesmo na rampa do mercado. Ao passar pela passarela em frente ao mercado, pude ver vários desses monstros lá dentro, pude ver um dos mortos meio comidos abrindo os olhos esbranquiçados, com uma cara de fome e raiva. Aquilo não foi nada agradável mas estou conseguindo ver um modus operandi disso tudo. Quem é comido se transforma em um desses. Será a mordida? Não creio que os filmes estejam falando a verdade mas e se estiverem? O sangue infecta mesmo?
Ao olhar para frente vi um desses me encarando ainda mastigando alguma coisa. Babava muito e seu olhar de predador ficou fixado na minha cara. Ele deu um rosnado pro alto e outros que estavam no mercado olharam para ele e depois para mim.
Ali tive a certeza absoluta que eles se comunicavam e aquilo queria dizer "hora do rango".
Acelerei com tudo e atropelei esse também, que ficou pra trás, com a coluna torcida mas ainda urrava e tentava se arrastar com os braços em minha direção. Nessas horas um instinto de "mata aquilo carai" dominou meu corpo e dei a ré até aquela coisa. Passei por cima denovo e depois engatei a primeira e passei por cima denovo, denovo, denovo e denovo. Aquilo ainda me olhava e aquilo ainda queria me rasgar. Um momento sádico de minha pessoas dominou o volante e quis passar pela cabeça dele, só para tirar aquela cara de predador do morto. Finalmente ele parou. Seus dedos enrijecidos pararam de se mexer, seu corpo ficou totalmente inerte naquela bola de carne atropelada. É a cabeça... Mas a cabeça inteira ou uma pancada só basta? Não vou testar com os outros 20 que estava vindo em minha direção, engatei a primeira e fui embora.
Acabei parando na QI 19, lá tem um comércio pouco movimentado e um mercado menor, seria mais fácil de pegar alguma coisa pra comer e eu estava desesperado por um café, precisava mesmo de um café e um cigarro. Precisava muito tomar café fumando um cigarro mesmo, eu tremia de uma forma inexplicável, eu precisava relaxar, nem me importaria se eu já estivesse defecado ou me mijado nas calças, precisava da porra do café e do cigarro.
Cheguei no mercado, as portas estava fechadas com grades e tinha uns poucos desses monstros andando por perto.
Admito que dei uma risada histérica e insana quando comecei a atropelar todos eles, sentindo um prazer mórbido de sentir a vibração da cabeça deles sendo esmaga pelo carro popular que eu estava conduzindo, pensei que estava ficando louco...
Como não vi mais nenhum desses por perto, cheguei com o carro bem perto do portão do mercado e desci. Consegui ver umas 4 pessoas lá dentro, armados com facas e espetos de churrasco. Aqui não é os Estados Unidos, não temos pistolas em mercados, não é?
Eles me deixaram entrar e me falaram tudo que havia acontecido.
Parece que o primeiro caso foi aqui em Brasília mesmo, na parte sul. Não sabiam me dizer onde exatamente mas era em alguma quadra do SMHS. Se espalhou rápido, parece que desembarquei em Brasília do 3º dia. Só pude imaginar "mas que merda...".
Perguntei se alguém estava com sinal de celular, um estava, das 4 operadoras, apenas 1 funcionava e pra piorar a situação era pré-pago. Mas me disseram que não ia adiantar nada, os telefones fixos estavam mudos. Ao verificar meu celular, vi que uma rede WiFi estava ligada e com um sinal bom. As linhas  de voz estavam mudas mas as linhas de dados ainda funcionavam, isso foi um alívio para mim, de alguma forma eu teria contato com alguém. Como aquele mercado não era muito grande, havia luz e muita comida e coisas para beber, falei que lá fora estava infestado e que precisamos de um plano de fuga. Disse aos funcionários que esses zumbis farejam pessoas e que em pouco tempo teremos vários deles na porta de entrada e na saída dos fundos. Disse que precisamos trancar bem.
Fiquei admirado em ver que as portas eram trancadas de forma bem simplória mas muito eficaz. Barras de ferro grossas, correntes e cadeados. Excelente, vamos passar uma noite aqui ou duas, vamos comer bastante e ver o que é mais fácil para carregar.
Isso me lembrou um pouco os tempos de escoteiro, não fiquei muito tempo, apenas o suficiente para pegar os macetes de acampamento e sobrevivência na selva.
Trancamos tudo, apagamos as luzes e deixamos apenas as lâmpadas dos congeladores para iluminar o ambiente, atenção é a última coisa que queremos agora. Temos toneladas de café e maços e mais maços de cigarro aqui.
Uma estante com mochilas é bem útil, já coloquei 2 pacotes de café e 2 maços de cigarros na mochila, alguns enlatados e já deixei a mochila pronta.
Pior do que fugir e lutar pela sua vida, é fugir lutando pela sua vida e lutando contra os vícios. Me acalmei bastante, pra minha sorte, no banheiro dos funcionários havia um chuveiro elétrico. Tomei um banho, troquei de roupa e joguei a roupa suja na fornalha da padaria, não quero nada chamando muita atenção e pelo que vi, suor chama muito atenção desses troços.
Comemos bastante, pensamos até na hipótese de ficarmos no mercado ate tudo ser resolvido, seria uma excelente idéia se o prédio não fosse tão fácil de ser cercado...
Navegando um pouco pela internet, que graças a Deus ainda está de pé, pude ver vários fóruns de sobreviventes, parece que na europa essa infestação está contida mas há rumores de que toda as américas foram tomadas. Os outros continentes fecharam seus portos e aeroportos, onde houver divisão de terra, haverá infestação, isso significa que será muito trabalhoso chegar até o continente europeu, ainda mais que estamos no miolo do país, a viagem até o litoral não será fácil e ninguém aqui tem a menor noção de como navegar, o que fazer ou até mesmo como dar partida em um barco.
Em uma dessas navegadas pela internet, conheci um sobrevivente aqui de Brasília também, não sei exatamente onde ele está, se chama Luciano ele tem feito atualizações em um blog contando o que tem acontecido com ele, o endereço é http://osmortosvivosestaoaqui.blogspot.com. Parece que é um trio, espero mesmo que estejam bem e não estejam com dificuldades.
Está escuro lá fora, os postes, alguns, se acenderam e deu para ver alguns desses monstros andando por aí, melhor não fazermos barulho algum e irmos dormir com escala de vigilância para que os outros possam descansar. Amanhã será um dia difícil.
"Nota Mental: A mocinha do caixa é uma gatinha"

sons horríveis...

Tive que dar uma volta quilométrica para evitar o engarrafamento de carros abandonados e me dirigi até a 414 sul. Eu tinha um apê lá... tinha.
Ao andar pela L2 sul, vi vários prédios com fumaça saindo pelas janelas, gritos horríveis de medo, gritos de crianças, isso me arrepiou até a última vértebra que ligava minha coluna na bacia.
Havia dezenas, até onde pude enchergar, embaixo dos prédios, muitas árvores tampavas a visão mas pude ver vários desses troços andando por ai, é fácil ver se é ou não um zumbi. Pense em alguém muito, mas muito bêbado tentando andar. Seria uma cena engraçada se não fosse acompanhada de gritos, urros de dor e pedidos de socorro. Vi de relance uma mulher desesperada em uma janela pedindo socorro de braços abertos em minha direção. Pensei realmente em ajudá-la mas seu corpo foi tombado com uma violência que sua cabeça batel no beirada da janela e vi respingos de sangue sendo lançados contra o vidro. Prédio de 3 andares ainda têm uma vantagem que você pode, ao menos, tentar pular para se salvar mas ninguém pensa nisso, eu não pensaria nisso. Tentei sintonizar o rádio denovo, apenas estática. Consegui sintonizar em uma estação mas só ouvia o arfar de uma pessoa e sons de coisa dura quebrando com algo melequento em volta. Já comeram casquinha de siri? O som é muito parecido, é horrível. Imaginei o locutor sendo devorado por um companheiro de trabalho e não desligou o microfone.
Está anoitecendo e não vou me arriscar a ficar dentro do carro. A cena do Gol me chocou muito, não tenho coragem mesmo.
Vejo 2 faróis muito fortes vindo em contra-mão muito rápido. Parece um ônibus, mas não tenho certeza, está longe ainda, é a linha Grande Circular, mas está diminuindo.
Ao chegar perto vejo que onde deveria ter um motorista tem um aglomerado de gente de pele acinzentada devorando um uniforme e olharam para mim, abriram a boca como um gato soprando de raiva para alguma coisa. Continuei passando devagar, todos do ônibus estavam com aquela pele pálida olhando para meu carro, com uma curiosidade horripilante.
Deu para ver que eles se comunicam com esse grunhidos, urros e algo que parece latido. Vou até onde sei que tem casas protegidas, meio isolado, com poucas pessoas... Lago Sul. Na dúvida, pego um barco de uma casa da QL e fico no meio do lago, espero que esses troços não saibam nadar...
Passei pela ponte denovo, a nova, até hoje não tinha visto, ficou bonita mesmo mas tem vários carros parados. Vou ter que amassar um pouco meu carro mas vou passar pelo meio de alguns, não vou me arriscar a ficar parado por aqui. Vejo várias motocicletas tombadas pelo chão. Até pensei em pegar uma moto, teria um campo de visão bem maior e poderia furar melhor esses bloqueios mas qualquer tombinho já me retardaria e muito.
Pára-lama amassado e pintura uma ECA mas consegui passar. Tenho alguns conhecidos pela QI 23 e 21. Vou até o comércio do Gilberto Salomão para ver se posso pegar alguma coisa, estou ficando com fome e não quero X-Cérebro para comer.
Eu sei que não vou dormir direito, se é que vou dormir, gritos de crianças sempre me abalaram muito.

Dia Z - pt. 2

Ao sair correndo com o carro, pude ver pelo retrovisor que aquela abominação corria atrás de mim, se distanciando mas continuava correndo. Eu sei que se eu parar o carro ele me alcançaria, isso não era uma hipótese que eu gostaria de comprovar.
Ao passar pela ponte, comecei a ver vários carros parados pela rua, todos eles com amassados, sangue seco e alguns com sangue escorrendo, isso significa que esse sangue ainda é recente e não vou parar para comprovar, não vou me arriscar, por sorte meu carro é pequeno e posso andar entre os carros. Está bastante quente mas vou manter os vidros fechados, esses modelos populares não tem ar-condicionado então me viro com a ventoinha mesmo. O cheiro no ar de sangue até que não me enoja mas ver corpos pela pista não é uma visão agradável. Tive a impressão de ver um corpo dilacerado tentando se levantar de alguma forma mas resolvi ignorar para não perder mais tempo aqui.
conforme ia entrando mais no centro, no setor comercial, tinha mais carros parados, alguns desses loucos cambaleantes andavam pela rua sem rumo, parecia que estavam farejando o ar, acredito que os instintos mais primitivos estavam a tona e deveria considerá-los mais perigosos já que não sentem dor e agem como animais.
Para evitar esse trânsito moribundo, preferi ir pela W3, pude ver de longe um carro disparando em fuga e um Gol prata cercado desses troços, eu não estava longe mas fiquei impressionado com a altura dos berros de horror e pânico do motorista. Finalmente um desses monstros quebrou o vidro e começou a mordê-lo, de forma frenética os outros tentava se enfiar no meio para conseguir um pedaço, parecia um ataque de piranhas. O que mais me impressionou foi a força desses zumbis, eles conseguiram arrancar um braço quase inteiro do cara, isso me fez pensar que, já que não sentem dor, não tem nada que limite suas vontades... Eles podem e vão arrancar pedaços seus.
Aquilo realmente embrulhou meu estômago e segui adiante, eu reparei que um desses zumbis olhavam para o carro que se afastava e virou sua atenção para mim, como um gato que fica olhando uma mariposa voando pela sala, não tirava o olho e certamente já queria dar o bote. Arranquei também e segui adiante. Passei por uma casa de cortinas fechadas mas muitos desses monstros estavam se amontoando e frente a ela, resolvi seguir adiante, não tive coragem de ver o que poderia ser.
Fui tentar usar meu celular mas estava sem sinal, cheguei a pensar que era por causa do roaming mas não, realmente não havia sinal nenhum. Pra minhas sorte tenho um aparelho que funciona perfeitamente mesmo sem sinal. Suas funções ainda funcionam como WiFi, fotos e o GPS que imagino que pode ser muito útil. Minha bateria está acabando e sou um idiota por não ter um carregador de celular para carros... Vou seguir mais um pouco, estou ouvindo passos cambaleantes, não posso parar por muito tempo no mesmo local.

Dia Z

Não imagino que realmente iria acontecer, e justo nessa cidade, nesse país, nesse continente...
Ouvi vários boatos de pessoas que morreram que voltaram a andar, o necrotério de vários hospitais relatando esse fato, o IML em um pandemônio particular e o exército com tanques nas proximidades de cemitérios.
Por algum motivo estranho, a polícia não prestava mais atenção em casos de furtos, roubos e faziam vista grossa com quem andava armado. Estive fora por uns tempos e vi que a cidade beirava a anarquia quando vi um amontoado de gente suja de sangue andando, cambaleando, como bêbados. Rezei para que meu filho estivesse bem na europa estudando.
Cheguei a imaginar que fosse aqueles mob days de Zombie Walk, como eu queria estar certo...
Estava em um carro alugado, se aluguei, me dou ao luxo de pegar um carro econômico porém rápido, paranóia de um mundo capitalista... Era um modelo popular, não cabia muita coisa, na verdade, cabia bem pouca coisa e essa foi minha sorte.
Com o planejamento de levar pouca coisa, estou seguindo apenas com uma mala média, daquelas de lona mesmo, não gosto de malas duras de plástico, esse foi meu erro.
Dirigindo pela cidade, ouvindo o rádio com um som horrível, parece que ligaram um liquidificador do lado da antena, ouvia notícias de que pessoas estavam sendo atacadas e mordidas, sendo surradas de modo brutal e que esses "homicidas loucos" estava comendo as vítimas. Não imaginei que poderia ser sério, não acreditava nisso. O que aconteceu?
Meu ceticismo se esvaiu como um peido que soltei quando atropelei uma pessoa. Ficar pensando nessas coisas enquanto dirige não é uma boa.
-Merda!!!
Exclamei pela cagada que fiz ao atropelar um pedestre inocente.
Lembram do ceticismo? Ele se esvaiu na hora em que fui prestar socorro ao atropelado... Ali no chão, se contorcendo, mas não de dor, mas de uma ira, um ódio por tudo que tinha sangue sendo bombeado e não cheirava a carne velha. Para minha sorte, esse "acidente" quebrou muita "coisa óssea" desse indivíduo que não conseguia fazer muito para me pegar.
Fiquei ali, estático, parado, assustado, tremendo por dentro como uma febre noturna, imaginando o que poderia ter acontecido.
Voltei a mim quando escutei um rosnado vindo em minha direção. Ele tinha feições monstruosas, sua boca pendia para a esquerda e babava uma gosma escura meio avermelhada. Faltava muitos dentes mas isso não impedia de ele vir correndo aos tropeços em minha direção.
Cheguei a achar que os uivos do atropelado tinham chamado atenção desse que vinha. Não pensei duas vezes, entrei no carro e sai em disparada.