sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Dia Z - pt. 5 - Ponto de partida...

Que dia é hoje? Estive de guarda por toda a madrugada até a neblina se dissipar, o sol bateu na minha cara e acho que dormi de exaustão.
Acordei com o velho me chamando, ele estava com uma cara abatida e a velha estava sonolenta. Eles não conseguiram dormir mas disse-lhes sobre a idéia de ir para Curitiba. Lá tenho um apartamento em um prédio alto, prédios assim são ótimos esconderijos se a portaria estiver bem lacrada, a idéia do litoral foi explicada e avisei sobre os problemas de tentar fugir por ar. Ele disse que já sabia sobre os ataques aéreos, nenhum avião das américas podem decolar e sair da costa, nem do Índico nem do Atlântico, mesmo em águas internacionais, os aviões serão abatidos. A última informação que tive dele é que, ao redor das américas há vários navios de guerra, porta-aviões fortemente armados e há a suspeita de um ataque com bombas de destruição em massa. Isso claro, é suposição... Perguntei se havia algo de perigoso a fuga por mar e ele não soube me responder. Disse que seria uma boa usar esse carro velho para descermos até o Paraná, é perto do litoral e seria mais tranquilo para fugir. O casal negou com um sorriso e uma cara de pesar.
-Estamos velhos, cansados disso. Aquele indivíduo que estava alvejando era meu filho... Eu suspeitava desse incidente e já sabia das conseqüências. Lembre-se, não será mais filho, namorada, marido, parente, mãe ou pai, após a infecção, é um animal carnívoro que não mede esforços para devorar você. - Disse o velho com os lábios encolhidos.
-Vai você meu filho - disse a velha - Pegue o que precisar, ajudaremos no que pudermos mas antes, tente conseguir um pouco mais de água para nós.
Era esse o plano inicial para hoje, não sei que dia é hoje, sem sinal, meu celular só mostra "off-line", sem data, apenas a hora já que configurei manualmente devido ao horário de verão.
Subi no telhado de novo para ver qual era a casa mais propícia a uma pilhagem mais segura. Havia uma casa, que passou na minha cabeça, que talvez seria boa, a do vizinho do lado. Estava sujo, estava uma cena pavorosa mas não havia sinal nenhum de movimento. Peguei a escada, subi até o muro, puxei a escada e coloquei apoiada do outro lado para poder voltar.
Ao descer a escada, que rangia bastante, não ouvi anda. Nenhum urro, gemido, nada. Aquele corpo boiando na piscina não se mexia mais do que as ondas da água devido ao vento poderiam mexer nele.
Andando pela varanda com certo cuidado para não escorregar no sangue entrei na casa com a arma pronta.
-Na cabeça, sempre na cabeça - falei baixinho para me certificar de não fazer cagada.
Andando pela casa achando que ia dar de cara com um zumbi desses, a entrada da sala pela varanda era bem larga, comum em casas de Brasília, já de cara deu com um conjunto de sofás bem acolchoados,  de cor mostarda de 2 e 3 lugares. Estranhamente limpos. O tapete embaixo deles estava limpo também e era branco. Me perguntei como que tinha esse pandemônio de sangue da porta pra lá e aqui está tão limpo?
Andando mais um pouco, olhando para as paredes cheios de quadros de família, com fotos ampliadas e molduras cheias de enfeites. Um quadro de metal com fotos presas com ímãs decorativos e toda essa coisa fofa de família. A casa era grande, teria muito o que explorar ainda, vou ver a água depois de ter certeza que não tem nada aqui que queira me devorar. Achei o computador ligado, na tela tinha alguns respingos de sangue, parece um espirro, gotas pequenas e só. Não achei nada de anormal dentro da casa. Resolvi explorar os quartos, pensei em marcar cada cômodo que explorar para não me perder. Abri a primeira porta do corredor, era o banheiro, limpo, enorme, uma toalha ainda estava úmida mas quase seca. Fechei a porta e risquei com uma caneta que tinha no bolso. A porta da frente era um quarto, apenas uma cama de solteiro e um armário de 2 portas. Deve ser o quarto de visitas, estava arrumado e levemente empoeirado no chão. Parece que ninguém entra nesse quarto a semanas. Ao abrir o armário só vi 2 cobertores e um travesseiro sem fronha. Fechei a porta e risquei de novo.
Na próxima porta, ao abrir, encontrei um quarto todo revirado, com alguns respingos de sangue na parede, não eram grandes mas me deu o que pensar. Não vou mexer mais nele, esse quarto esta mesmo bagunçado e uma pilha de edredons ali no canto me parece suspeito. fecho a porta e desenho uma interrogação na porta. Agora o último quarto, a cena foi forte, não foi nada agradável ver aquilo.
Uma família inteira sentada juntos, mortos, cada um com um tiro na cabeça e uma arma na mão do senhor ali. Era o pai das crianças, acho que no desespero ele matou todos e se matou. Era uma 38 e mais uma arma, mesmo sendo pequena, é útil. Peguei da sua mão dura e gelada e guardei no bolso. Ainda tinha alguns tiros, 4 corpos ali, 2 crianças o cara e o que deveria ser a mãe delas ali, juntos. Esse quarto era grande, havia muitos papéis no chão, desenhos, escritos, nada de muito útil e um armário enorme, escuro, que pegava a parede toda. Ao abrir achei bastante coisa legal. Mais balas para esse revolver, um notebook com carregador e uma mochila grande, parecido com aquelas de camping. Minha mochila era bacana mas não era grande, essa era boa mesmo, grande, cabia bastante coisa. Coloquei tudo dentro dela e fechei a porta. Risquei um X na porta e fui ver o resto da casa. A cozinha estava com pouca louça suja, nada revirado. A casa estava limpa por dentro, tirando aquele quarto, estava tudo em ordem.
A área de serviço tinha algumas roupas penduradas já secas. Nada de mais mesmo. Não tinha comida, parece que estavam se isolando aqui fazia tempo, sacos enormes de lixo estavam amontoado no canto da área. Fui ver a torneira, havia água mas nada para transportá-la. Nenhuma garrafa, o galão de 20 litros que eu queria já era. Minha idéia foi pegar uma mangueira do jardim e encher a caixa d'água dos velhos por ela. Ao voltar para varanda o velho estava em cima do muro vigiando, me olhou com uma cara surpresa, ele deve ter achado que eu não estaria vivo a essa altura. Falei que a casa estava ok mas a família estava morta. Não disse em que condições e nem que estava com outra arma. Disse que aqui havia água e achei uma mangueira no jardim. Falei para ele por a mangueira na caixa dele que eu ia abrir. Pela posição do Sol era perto de meio-dia.O velho puxou a mangueira ate sua caixa d'água e abri a torneira. Passamos um bom tempo ali enchendo a caixa, água para vários dias eles iriam ter. A gente se olhava mas não falava nada, o velho com uma cara de quem estava se lamentando muito ficava em silêncio. Não tínhamos mesmo o que conversar, apenas encher a caixa mesmo e me preparar para partir. Precisava ainda traçar uma rota até Curitiba, nunca havia dirigido por uma distância tão longa e não fazia idéia do que eu poderia encontrar no caminho.
O barulho de encanamento cheio de ar começou a ressoar pela torneira da mangueira. Isso significa que sugamos até a última gota do vizinho e agora o casal terá sua água por um bom tempo.
Pulei o muro de volta, olhando novamente para o corpo da piscina que continuava imóvel. Entramos na casa e preparamos uma grande refeição, hoje não precisávamos ficar de vigia, não precisávamos ficar alertas 100%, hoje eu iria comer bastante, dormir bastante e preparar minha viagem. Continuo não querendo saber o nome dos velhos, não quero estreitar ainda mais os laços afetivos com eles... sem nome, sem sofrimento.
Comemos bem e fomos dormir. Um silêncio mórbido ecoava no ar, nunca tinha tudo uma noite de silêncio como essa na minha vida. Os grandes centros urbanos não tinham essa quietude. Sonhei, sonhei com tudo que poderia sonhar sobre isso. Lembrando cada passo, cada grito, cada cara de pavor das pessoas que vi na rua. Acordo no meio da noite com sede, vou até a cozinha, bebo um copo de água e dormi de novo. Amanhã penso melhor no plano de fuga. Preciso mesmo dormir.

lembranças

A madrugada foi meio tensa. Escutar esses zumbis gemendo por todos os lados não fácil encarar. Pro meu alívio, esse gemidos eram meio de longe, das casas mais afastadas.Tenho a impressão que há outros sobreviventes por aqui nesse conjunto mas ninguém se manifestou, acredito que o medo esteja impedindo de fazerem qualquer barulho, muito natural isso.
Ate umas 3 da manhã escutei o velho tentando contato, o chiado do rádio e aquele som típico de rádio AM que parece um assobio contínuo com estática ao fundo ficou por horas na minha cabeça.
Escutei a velha chorando baixinho, pequenos soluços revelavam seu descontentamento. Escutei algumas piscinas tendo sua água espalhada, imaginei um zumbi idiota caindo dentro dela, isso me fez rir um pouco.
O que mais me chamou atenção pela sua total ausência foram os grilos. Não escutei nenhum. Nenhum inseto, pássaro, nada. Nenhum som de noite, apenas esses que descrevi.
Hora de um café... o sono está batendo e não quero baixar a guarda, mesmo estando sobre o telhado da garagem que dá de cara pra rua, não quero baixar a guarda por nada. Notei que o corpo do zumbi que matei hoje algumas horas atrás não está mais ali. A poça de sangue ficou mas o corpo sumiu... Será que não matei o morto bem matado? Tem que amassar a cabeça mesmo? Ou um tiro desse nenem aqui basta? Foi uma estacada pouco abaixo do olho, pelo que eu me lembre, das aulas de ciências, biologia e etc, acredito que só cutuquei o cérebro mas não detonei ele.
Melhor fazer um teste, vejo apenas um zumbi olhando para cima, o babão está impressionado com a luz do poste, ela falha e isso chamou a atenção dele. Mirei com calma, ele estava parado, apenas balançando de leve pros lados, mirei bem na testa.
PTOW!
-Malaaaandro!!! - falei com entusiasmo.
A cabeça abriu como um melão. A chicotada dessa arma no pulso foi forte mas me senti muito mais heróico com um canhão desses do que com um cabo de vassoura quebrado enfiado na cara de alguém. Caiu na hora, o som do tiro ecoou por um bom tempo. Estranhamente isso não chamou muita atenção deles, se tivesse mais por ai, sei que tem, eles teriam vindo, mas não, ficaram por ai mesmo. Bom saber disso.
Vejo o horizonte, as nuvens estão baixas e alaranjadas pelos incêndios pela cidade... que merda. Como isso foi acontecer?
Já que está tudo tranquilo peguei meu amigo celular e procurei o sinal WiFi novamente. Achei e dei uma navegada, sempre olhado pros lados. Vi em um fórum de sobreviventes norte-americanos que a infestação lá saiu do controle. Um rapaz de Dallas estava dizendo que todo o Texas foi tomado, a costa leste inteira também. Deu para ver pelo seu avatar do fórum que ele está on line, mas está ali faz 2 hora sem postar nada... Acho que sei o destino dele.
Dando mais uma busca e vi que no Canadá também está essa zona, México, Venezuela, Chile, Argentina... as américas foram realmente tomadas por zumbis.
Me dou conta que há uma luz de longe sobrevoando a cidade. Parece um helicóptero pelo modo de voar, já que ele para no ar não é mesmo? Ele faz pouco barulho, deve ser um militar então. Não tenho nada para sinalizar, ele está um pouco longe e não me veria nesse escuro e não veria a luz da tela do celular balançando no ar. Não vou ser burro em ficar gritando no telhado, se eu fizer isso eu vou ser ilhado por zumbis de novo.
Vamos ver o que temos de soluções viáveis para mim, já que estou no Brasil, qualquer carro seria útil, até essa Belina 82 branca estacionada aqui embaixo de mim.
Pela busca muitos estão indo pro litoral mesmo, os aviões estão sendo abatidos como forma de segurança, o Brasil foi sitiado e a ONU não quer nem saber, explodiu vários aviões lotados em pleno ar.
Pelo mar, essa é a solução. Vou evitar o litoral dos estados mais populosos, nordeste nem pensar, demoraria demais pra chegar e é muito populoso. São Paulo nem fodendo, 300 zumbis para cada vivo e Rio de Janeiro... bom, se não explodiu de vez deve estar sob controle dos traficantes, esse tem bastante arma e mesmo assim os idiotas querem lucrar nessas horas, dinheiro hoje em dia é um pedaço de papel que serve mais como lenha do que outra coisa. Me vejo com a única opção... Paraná. Santa Catarina é muito populoso em relação ao tamanho de seu litoral e não quero ver zumbi com bermuda de surfista.
A diferença é pouca de qualquer forma...
Tenho amigos em Curitiba, posso descer até lá, soube que mais ao sul a infestação está sob controle, ver se sobrou algum deles vivo e andar 2 horas de carro até o litoral. De lá nos viramos. Vou levar esse casal comigo, o velho pode ser muito útil e o café da velha é excelente, café em tempos que não podemos dormir é precioso demais.
Estou ficando com sono, já são 5 da manhã e vejo que a neblina está ficando mais densa, vou ter que beber mais café e ficar vigiando bem, ainda tenho que procurar por água em uma dessas casas, espero que em alguma delas tenha daqueles galões de 20 litros, será muito útil e vou dar a idéia de Curitiba pro velho, acho que ele vai topar.
Quando for de dia relato mais, o sobrevivente Luciano não relatou mais nada, ainda deve estar na casa que ele descreveu.
Me despeço aqui, tentando sobreviver.

Dia Z - pt. 4

Depois de uma noite mal dormida, com o estômago cheio e uma mochila cheia de suprimentos para 12 horas, resolvemos que era hora de tentar achar um lugar mais tranquilo.
Eu evitei de saber os nomes dos funcionários do mercado pois eu sei que acabaria fazendo laços emotivos com eles e esse era um risco emocional que não queria ter caso um deles fosse comido.
Ao comermos mais alguns congelados assados na hora, desligamos tudo mas deixamos o fogo aceso caso algum sobrevivente passasse por lá depois e soubesse que pode ter algo bom lá dentro. Quanto a estar seguro ou não, depende da sorte dos próximos visitantes.
Era muita gente para um carro pequeno, tinha um bom volume de enlatados para passarmos mais alguns dias e precisávamos de um veículo bem maior.
Antes de sair espreitei pela janela de entrada, ainda bem que tinha aquelas barras de ferro. Foi só por o rosto mais perto do vidro que pulou um desses monstros batendo com sua mão ensanguentada no vidro. O susto foi inevitável, cai de costas em uma cena patética de sustinho mas ninguém riu. Todos se encolheram atrás do balcão com medo. Deu para ver que haviam vários desses zumbis ali fora. Meu carro estava cercado por eles e isso fez dele um alvo inviável para qualquer coisa.
Tinha muitos na frente mas pela ventarola da porta de trás não vimos nenhum. Tinha uma camionete parada com o porta-malas aberto, acho que era para transportar os produtos do mercado. Era um modelo velho mas era um carro grande e isso seria muito bom para nós 5 sairmos de lá com muitos mantimentos. Planejamos um plano de ação para sair dali. Pela janela da frente, percebi que alguns estavam farejando o ar e isso não era bom, eles poderiam "farejar nosso plano" e correr para trás, ai sim, estaria tudo perdido.
Peguei um amontoado de lixo e joguei na porta e botei fogo, imaginei que isso fosse confundir seu olfato. Na verdade o fogo atiçou mais ainda seus avanços contra a porta. Eu sei que as barras iam aguentar por um tempo mas o vidro já estava trincando e não queria ver nenhum braço daqueles tentando pegar a gente. Não que fosse nos pegar, mas estavam nojentos mesmo.
Uma das moças foi pegar uma bolsa perto da porta quando um zumbi quebrou o vidro com o braço e tentou agarrá-la, estava longe mas deu um susto muito grande.
Eu vi que os cortes no braço do zumbi espirraram sangue nela, bem no rosto e a minha paranóia de infecção me fez pensar em dar um fim nela. Mas ela se limpou e continuamos, não consegui mais me concentrar em muita coisa, estava realmente preocupado com essa situação.
Abrimos a porta traseira, era suficientemente grande para passar uma pessoa por vez, o primeiro que saiu era o rapaz responsável pelo açougue, ele saiu com um grande facão de carne e montou guarda. O lixo já estava acabando de queimar e não dava muito tempo para esconder nosso cheiro de vítima comestível por muito tempo. Saí logo em seguida e montei guarda enquanto as meninas saiam junto com o outro rapaz. Elas carregaram o porta-malas com a comida e fecharam com força a porta. Eu sei que isso chamou a atenção deles, o volume de berros vindo da frente estava diminuindo e estava vindo do lado do prédio, estavam dando a volta.
-Porra!!! Continuam escutando? - falei nervoso.
As moças entraram na parte de trás e corremos para o carro. Fiquei do lado do carona, a chave estava com o açougueiro que deu a partida. Ao manobrarmos para sair demos de frente com um monte deles. Não era muito mas tinha algumas dezenas. Por um instante ele vacilou no acelerador, acredito que ele tenha ficado com dó de atropelar alguém, mas mesmo sendo conhecido, amigo, parente, filho, namorada, enfim, queria comê-lo também. Gritei para acelerar e no susto ele arrancou com a camionete. Atropelamos alguns e outros pularam no capô com a nítida  vontade de arrancar pedaços de nossos corpos.
-FREIA CARALHO!!! - a moça do caixa sabia como gritar.
Na frenagem o zumbi escorregou e caiu, quando todo mundo gritou junto ACELERA, foi automático, outro pulou pela janela de trás mas não tinha nada para se segurar e fomos embora!
Deu para ver que o veículo estava com pouca gasolina e o posto mais próximo estava cheio deles. Era um ponto de encontro dos garotos da região e sempre havia muita gente por lá. Com o peso e a aceleração, a gasolina estava queimando rápido... Dei a idéia de irmos no posto que tem um trem mais a frente, eu sei que lá tinha pouca gente, isso significa, pouco zumbi e há uma casa de madeira que era uma vídeo locadora caso desse algum problema, poderíamos nos esconder lá.
Minha preocupação estava certa, a moça que recebeu sangue espirrado na cara estava com manchas de hematoma na pele, era a clara prova de que suas veias estavam estourando por dentro por algum motivo e ela estava suando muito. Não era febre, sua temperatura estava caindo, seus lábios se retraiam e ficaram com uma coloração azulada. Era horrível, era muito rápido, parece que eu estava vendo alguém se afogar com imagem acelerada. Ela gemia de dor, arfava de medo, suas mãos pareciam que estavam levando um choque.
Sua respiração deixou de ficar ofegante e começou a ficar longa, fazia um ruido de como se alguma coisa estivesse obstruindo sua garganta. Todos ficamos com medo, acharam que era uma alergia, reação ao stress ou algo do gênero mas eu estava temendo o pior mesmo. Sua respiração cessou e todos ficaram em silencio com o olho arregalado e todos se entre-olhavam com aquela grande interrogação sobre suas cabeças.
O rapaz continuou dirigindo, não quis saber, acho que ele decidiu ir até onde dava e depois só Deus sabe.
Por alguma razão não jogamos o corpo dela fora, eles eram amigos e colegas de trabalho daquela moça mas eu não fazia idéia de quem era. Evitei esse tipo de laço para poder me concentrar em sobreviver. O que mais me deixava puto naquela hora era que essa moça que entrava em rigor mortis estava sentada bem atrás de mim, se ela voltasse como um deles, ia atacar a primeira coisa que estava na frente: eu.
Sabe aquele medo de trem fantasma? Aquele medo que você sente quando é criança, que enquanto anda nos trilhos do brinquedo você acha que algo medonho e assustador vai pular na sua cara a qualquer minuto? Era essa a sensação de todos, não estávamos rápidos, o carro tinha que ir devagar para desviar de outros veículos na rua, eram poucos nessa região, não é uma área muito movimentada.
Todos em silêncio esperando qualquer barulho, pedido de socorro ao longe, algum movimento não zumbi pela rua, qualquer coisa que mostrasse que ainda havia humanos por aí mas nada. O que quebrou nossa rotina silenciosa e apavorante foi um ronco baixo e contínuo que veio da garganta da moça que agora estava com a pele acinzentada. Isso não tinha passado mais de 10 minutos que ela havia parado de respirar e estava voltando, o medo tomou conta de nós e antes que alguém tivesse a brilhante idéia de abrir a porta dela e chutá-la pra fora, ela pulou em cima da outra moça e mordeu pouco abaixo do pescoço. Aquilo foi horrível, parecia um cachorro faminto roendo um osso velho, a moça berrava de dor e não conseguimos pensar em nada para fazer. Nessas horas estúpidas de medo é que fazemos as maiores burradas e tentamos empurrar nosso predador com as mãos. A outra moça que estava do outro lado do banco traseiro tentando empurrar a zumbi que mascava o pescoço da do meio, empurrando com as mãos nuas, não era nem tapa, só empurrando implorando para que ela parasse com isso, o inevitável aconteceu. Levou uma mordida na mão e arrancou metade de um dedo. Ela começou a berrar de dor a outra ja estava se afogando em seu próprio sangue e a zumbi estava frenética com o tanto de carne que ela teria para comer.
No medo o rapaz do açougue não soube o que fazer e acelerou, acelerou mesmo, o velocímetro estava tremendo quando batemos na lateral de um Palio vermelho que estava abandonado no meio da rua.
Não sofri grandes danos, estava de cinto mas senti como se um tijolo de concreto tivesse sido arremessado na minha cara, sensação horrível, não bati com o nariz mas ele sangrou e senti uma dor no pescoço como se tivesse levado uma chave de perna.
A zumbi caiu atrás do meu banco, estava entalada grunhindo tentando sair daquela posição, a moça do meio estava com um buraco enorme no peito onde o sangue borbulhava pelo buraco e a outra moça bateu forte com a cabeça na janela... Não tive coragem de ver mais no banco de trás e ao ver se o rapaz estava bem, eu vi que ele era um desses que gostava de usar o cinto bem folgado para não roçar no pescoço, o problema é que o volante de uma camionete é grande, é duro e fica muito perto da sua cara. Ele ainda gemia e pediu ajuda, como eu ia ajudá-lo? Já não bastava um monte de comedores de gente lá fora, aqui dentro, um acidente de carro e 3 zumbis em potencial ao meu lado e atrás de mim? Mesmo não sabendo seu nome, pedi desculpas e sai correndo a pé. Um desses zumbis me viu correr mas olhou para o carro, o rapaz abriu a porta e caiu gemendo, era uma presa fácil e, mesmo que isso seja nojento de falar, sua condição favoreceu muito a minha.
Perdi transporte, perdi companhia e perdi muita comida nessa burrada toda... Para minha sorte eu estava com a mochila que peguei do mercado, ainda tinha algumas latas de sei lá o que que eu peguei, cigarro, café e brilhantemente burro apenas uma garrafa de água mineral.
Me enfiei em um dos conjuntos, pelo menos com a rua fechada eu tinha certeza de onde viriam os zumbis e teria mais tempo pra pensar em qual portão pular para me esconder. Me preocuparia com os moradores, vivos ou não, depois de pular um portão.
Consegui pular um, não era alto e a caixa de correio ajudou bastante a pular. Sentei na garagem, não tinha carro mas havia uma mancha de óleo seco no chão, isso significa que tinha gente ai, ou pelo menos teve um carro ai a algum tempo... não vou fantasiar agora o que era... me escondi atrás da mureta do relógio de luz e parei pra pensar.
Peguei meu celular e lembrei que ele ainda funciona mesmo sem sinal. Busquei uma rede WiFi mas não encontrei nenhuma. Ótimo, estava realmente isolado, tentando lembrar de alguma coisa agradável vi que havia recebido um sms de um amigo daqui de Brasília. Não sei como não li ainda essa mensagem, acho que estava assustado demais pra pensar em sms numa altura dessas do campeonato.

+556199840547 - Mendes,Henrique
"Vei n sei o q ta rlndo tm um povo estrnho na rua parece doent 1 me arranou e meu brço ta formigando to cm frio cara meu corpo doi :( to tonto meu brço ta roxo n vem pra bsb n vem pra bsb ta foda aki"
Msg entregue às 13:48


Devo ter recebido isso antes de cair o sinal, mesmo assim, recebi tarde demais. Com um arranhão no braço ele virou em um desses, todos os sintomas igual a moça do mercado... O sangue infecta mesmo, mordida, arranhão, sangue espirrado. Se caiu no rosto deve ter infectado por alguma mucosa, entrou no nariz, olho ou um pouco pela boca, sei lá, isso infecta como hepatite.
Tomei coragem e fui para a porta da casa. Não estava trancada mas estava fechada. Entrei devagar, me sentindo um paspalho querendo enfrentar um leão com um graveto, mas esse cabo de vassoura que achei era o melhor que eu tinha no momento.
nada, a casa estava vazia. Todos os quartos fechados, porta a porta eu abri e vasculhei. Nada. Imagino que aquela mancha de óleo era do carro da família, já que 2 quartos estavam de acordo com o sexo das crianças e pelos enfeites, não eram muito velhas não.
O quarto principal tinha no chão várias ataduras sujas de sangue, como se alguém tivesse limpado um corte de vidro. Não quero imaginar mais isso...
Ok, casa vazia, nenhuma ameaça por enquanto. Tinha um cachorro latindo no quintal, essa era uma das poucas casas daqui que não tinha piscina, um cachorro correndo para o lado e para o outro, latindo para o muro de trás. Acredito mesmo que tenha zumbis atrás daquele muro mas esse era alto, não vou me preocupar ainda com isso. Na casa tinha pouca coisa, a cozinha estava bagunçada, revirada, pelo visto a família daqui saiu carregando algumas coisas mesmo. A geladeira nem foi fechada, estava ligada mas de porta aberta. Com um senso de humor muito fora da noção, dei uma risada imaginando na conta de luz que iria vir...
Tinha algumas coisas, sairam apressados, levaram bastante coisa mas pelo visto deixaram muita coisa também. Abrindo os armários da cozinha achei um paraíso de miojos. Estava com fome mesmo, quando fui pegar um dos enlatados esqueci que estava sem abridor de latas...
-Posso comigo mesmo? - pensei rindo.
Botei mais alguns miojos na minha mochila, procurei o bendito abridor de latas, não importa qual, aqueles manuais ou de torção, precisava de um abridor de latas.
Ainda tinha gás, fervi um monte de água, procurei algumas garrafinhas, achei algumas garrafas de 2 litros de refrigerante, isso iria servir.
Com a metade da água joguei o miojo dentro e com a outra metade eu esperei esfriar um pouco e coloquei na garrafa. Água estava se tornando algo precioso nesses dias. E eu tinha 2 litros dela na mochila.
Não pude preparar o miojo de forma normal, esperei cozinhar aos poucos na água ja fervida. Tinha que fazer pouco barulho, não quero chamar atenção dessas aberrações para essa casa, na hora que eu precisar fugir daqui não quero ter que enfrentar uma muralha de morto-vivo denovo.
Alguns minutos passaram-se, comi o miojo crú mesmo, sem tempero, aquilo solta um cheiro forte e essa época do ano em Brasília venta bastante. E pelo que vi, o olfato desses caras é bom, eles viriam verificar o que é esse cheiro de frango caipira cheio de glutamato correndo.
Sabe, miojo sem tempero algum não é ruim não....
Vou pegar meu celular e carregá-lo, essas buscas por sinal WiFi consomem muita bateria. Vou verificar por aí se acho mais alguma coisa útil. Outro celular seria bom, mas acho que Deus não esta sorrindo para mim, é difícil achar uma bateria que caiba no meu celular, baterias reserva são de grande utilidade mesmo.
No quarto do casal não tem nada de mais, revirei o guarda roupa, abri todas as caixas e nada, tive a esperança que talvez tivessem uma arma mas nada... Se tivessem acho que teriam levado, seria lógico ter uma arma para se defender uma hora dessas.
No quarto da menina também nada, bonecas, roupinhas, e pelo tamanho dos vestidinhos não dou mais do que 8 anos para a menina que dormia aqui.
No quarto do garoto tinha bastante coisa legal, meu filho iria adorar esse quarto... saudades do meu filho, o que me alivia é que onde ele está é seguro mas a saudade dele é imensa.
Pelo que vi, o garoto daqui também era novo, devia ter uns 12 ou 13 anos, tinha brinquedos para essa idade e muita coisa de esporte. Nada que me servia, revirei o armário, gavetas, tudo, achei bastante pilha e uma lanterna pequena, isso pode ser muito útil quando as luzes falharem.
O cachorro continua latindo muito e escutei ele correndo para frente da casa, era uma raça grande e não vou me meter com ele, se arrebentou a corrente pra latir, arrebentava minha mão tranquilo. O desgraçado ficou latindo cada vez mais, era o tipo de cachorro que botava carteiros pra correr mesmo. Corria de um lado e para o outro latindo, eu sei o porque disso... e esse animal vai atrair atenção dos zumbis para cá.
Me apressei em colocar tudo que era útil na mochila para fugir dali. Estava anoitecendo, o céu estava muito bonito, um laranja bem forte com vermelho ao fundo no horizonte e no meio um azul quase escuro. Peguei meu celular, o carregador, coloquei no bolso da calça e me preparei. Verifiquei pela cortina da sala que já alguns desses troços na frente, pela reação lerda deles, estava provavelmente se indagando se aquilo correndo e latindo era de comer ou não. Na dúvida, experimente. Arrancaram grande pedaços do cachorro, aquilo foi nojento, parece que todos os zumbis tiveram a mesma idéia de "experimentar" aquilo. Com os braços passando entre as grades arrancava pedaços cada vez maiores do pobre animal até que arrancaram a cabeça.
-Pelo menos não sofreu tanto... - pensei de modo muito frio, frio demais para mim mesmo.
Eles comeram os pedaços mas cuspiram logo em seguida, a que ótimo, tanta opção de carne e somente nós, os humanos vivos, que temos um gosto bom.
Estava um calor infernal, mesmo ventando, o vento era abafado. Esses incêndios pela cidade estava aquecendo o ar, isso significa que pode chover daqui pouco tempo e isso significa que vai ter sangue infectado pela rua. Não quis nem imaginar os efeitos dessa meleca toda. Fiquei um tempo ali, vendo o cachorro caido, a cabeça dele a poucos metros. Queria ter certeza, apenas a certeza que somente nós seríamos transformados. Calculei mais ou menos o tempo de infecção que a moça do mercado teve ate voltar como um deles, se em um animal menor demora mais ou menos ou se até mesmo volta como um deles.
-Ai meu caralho, merda, porra, merda-merda-merda-merda... - falei muito preocupado.
A cabeça daquele cachorro começou a mexer a boca, não tinha mais nada ligado a ela mas os olhos se mexiam e a boca estava abrindo e fechando como um ensaio de um latido. Pois muito bem, outros animais podem ser infectados, até agora vi os mamíferos sendo infectados, 2 espécies mas andei reparando em aves pretas voando alto pela cidade. Onde há carniça, há algum bicho para comê-la. Lei básica.
Agora precisava me preocupar com zumbis quadrúpedes também, esses poderiam ser os piores, eles correm bastante, mesmo cambaleando, correm.
Minha paranóia explodiu de vez quando comecei a pensar em insetos, mosquitos em especial, se picam zumbis e depois me picam, será que viro um também?
Qualquer contato com sangue desses bichos podres pode me transformar em um monstro também, cara... que eu faço?
Luvas são uma boa idéia, roupas de manga comprida, calças grossas e sapatos altos. Já imaginei uma calça Jean, jaqueta de couro e um coturno, mas nesse calor? Vou atrair todos eles com o cheiro da minha asa...
E como proteger a face? Putz... muita coisa para pensar ao mesmo tempo. Agora preciso sair dessa casa e ir para um lugar mais seguro, não sei como, não sei onde.
Olhando para o final do conjunto eu vi um beco. Daqueles que ligam o conjunto a um outro conjunto. Era estreito, cabe uma pessoa por vez, pode ser meio claustrofóbico, cercado de muro e cipreste por todos os lados mas se vier algum, vou enfrentar um por vez pelo menos.
Já havia reparado que alguns desses zumbis são mais lerdos, possivelmente pelo seu corpo estar apodrecendo e isso pode ser uma grande vantagem, embora outros estejam com uma aparência menos morta, esses ainda andavam relativamente bem e conseguiam dar uns passos mais rápidos, mesmo desajeitados, ainda andavam mais depressa.
Vou ter que me aproveitar disso. Eu e minha grande arma, um cabo de vassoura, quão heróico posso ser com isso? Peguei uma faca de cozinha grande e me preparei. O interfone ainda funcionava e abri o portão menor. O barulho chamou a atenção deles que foram direto para ele. Como se aglomeram em um único ponto acabaram empurrado o portão e entraram no terreno. minha porta estava fechada e rezava para que não soubesse pelo menos girar uma maçaneta. Precisava chamar a atenção deles para a parte de trás da casa, precisava de alguma coisa para fazer barulho lá atrás. Lembrei que no quarto do casal tem um rádio relógio, não era um modelo novo então era fácil programar, bastava apertar todos os botões junto para tocar o alarme. Coloquei debaixo da janela e liguei o rádio. Barulho horroroso, cheguei a lembrar da época de escola que acordava com esse som todo santo dia bem cedo para ir estudar.
Parece que deu certo, começaram a rodear a casa até chegar na origem do barulho. Fechei a porta do quarto por precaução, se arrombassem a janela não viriam direto a mim. O portão estava aberto ainda, olhando pela janela vi só aquela cena dantesca da cabeça do cachorro mechendo a boca, aquilo era realmente nojento. Ao abrir a porta bem devagar olhando para os lados, só escutava os gemidos dos zumbis se afastando da entrada até a parte de trás da casa, fui quase na ponta do pé saindo. Ao sair um dels me avistou e começou a urrar, todos os outros começaram a vir e fechei o portão. Esses pelo menos vão ficar por ali um bom tempo. Tinha uns 4 ou 5 na rua ainda mas estavam meio longe, esses eram bem lerdos e andavam com dificuldade, tive tempo para ir ate o beco e ver ate onde aquilo dava.
Dei de cara para um terreno baldio com uma trilha no meio do mato, não tinha nenhum som, nenhum barulho, só a folhagem do capim junto ao vento. Vi que nas trilhas não tinha marca de coisa arrastada como pé de zumbi ou passos pesados de quem morreu e estava teimando em ficar morto. dei a volta pelo terreno e vi que estava em outro conjunto, esse estava vazio, escutei tiros ao longe, isso significa que em alguma casa há resistência, há gente viva e há armas!
Ao andar pelo conjunto, as casas que ficam no início da rua estavam com as portas entre-abertas, havia som de gemidos, gemidos vivos, gemidos mortos e rosnados de satisfação por carne humana sendo devorada.
Percebi que minha mão tremia muito mas não vou acender um cigarro agora, o cheiro pode atrair esses caras também. Fiquei muito paranóico, admito, mas essa paranóia ainda vai me salvar.
Mais tiros, dessa vez mais perto, vi um zumbi agarrado em um portão levando balaço, nada, atravessava o corpo e ele continuava lá. Ele não prestou atenção em mim, isso significa que tem gente viva e saudável, que é o mais importante, dando tiro nele. Peguei o cabo de vassoura e dei-lhe na cabeça. Cambaleou um pouco e veio em minha direção. Mais uma vez e nada, mais algumas pancadas e nada. Ele continuava vindo. Mais uma e o cabo de vassoura quebrou, deixando aquela ponta cheia de farpa, não pensei duas vezes, enfiei na cara dele, enterrei e pulei para trás, não queria correr o risco de espirrar sangue em mim. Ao ver a casa de onde vinha os disparos, era um senhor de idade, com o cabelo bem curto e grisalho e atrás dele uma senhora de cabelos grisalhos também. Perguntei se era o único que eles tinham visto e eles não responderam. Estavam assustados demais. Comecei a perguntar pelo o ocorrido, se conheciam aquele zumbi que estava no chão formando uma poça de sangue escuro embaixo e o senhor só fez que sim com a cabeça. Perguntei se sabiam o que estava acontecendo e ele afirmou de novo mas a senhora negou com a cabeça. Ela tremia muito e perguntei se ela queria água. Ao pegar minha garrafa de água os dois pularam junto ao portão e tomaram a água. Perguntei se podia entrar já que não era seguro ficar na rua, estava quase escuro, alguns postes não funcionavam e escutava aqueles berros irados de longe. Abriram para mim e entrei. Entramos na casa, era muito arrumada, muito bem decorada. Havia um quintal enorme e uma piscina. A grama estava baixa isso significa que o que estava acontecendo na cidade começou recentemente por aqui.
Haviam vários quadros pela sala, alguns deles tinha medalhas militares. Isso explica a arma, o senhor "bem informado" de cabelo curto e muito bem aparado.
Perguntei se podia sentar e disseram que sim, perguntei se podia acender um cigarro e disseram que só poderia se eu desse um para eles também. Isso quebrou um pouco o gelo e damos uma risada beirando ao choro de nervoso...
Sentados no sofá eles me explicaram que estavam sem sinal de tv ou rádio, apenas chuvisco. Não tinham muito o que contar então comecei a contar os fatos que eu presenciei. A senhora começou a chorar em soluções, ela não acreditava no que estava acontecendo mas o senhor me encarava de forma séria e pedia detalhes estranhos do acontecimentos. O que mais me chamou a atenção foi o fato de dizer que um cachorro fora infectado, ele assentiu com a cabeça e baixou os olhos, sinal claro que estava pensando naquilo.
Ele começou a falar. Ele tinha uma voz muito dura, meio rouca e disse que é militar aposentado. Isso explica muita coisa mesmo, já suspeitava e muito disso. A senhora se levantou e disse que ia fazer um chá, pediu um pouco da minha água para ferver e dei a garrafa toda, disse que peguei a água em uma casa não longe daqui. Ao que parece algumas casas estavam sem água já, o encanamento não estava mais recebendo água bombeada e algumas casas com caixas de grande capacidade ainda tinham água potável.
A senhora se retirou e o velho ficou me encarando. Perguntou o que tinha na mochila e mostrei. Ele riu, mas riu muito.
-Enlatados, café e cigarro? Pilhas e uma lanterninha? - perguntou rindo.
Afirmei com a cabeça e ofereci uma carteira para ele. Ele disse que tinha parado de fumar fazia alguns anos mas já que estamos na merda e ele no final da sua vida, não vai ser o cigarro que vai matá-lo.
Ele me ofereceu um pouco de comida, mostrou um grande estoque de arroz, feijão, gás, alguns vinhos, bourbons, conhaques, enfim... quer morrer feliz, esta é a casa certa.
Disse a ele para tomar cuidado com o que cozinha, expliquei que eles farejam o ar, sua reação foi nula a não ser pelo oolhar de canto que me deu. Perguntou se eu sabia atirar e afirmei com a cabeça.
Entregou a arma na minha mão e disse que estava muito velho e cansado para ficar atirando, me mostrou uma caixa com várias caixinhas com munição para essa arma, ela era pesada e de grosso calibre, deu para ver que arrancava bons pedaços do corpo daquele zumbi que eu vi atirando.
Ele deixou eu ficar por lá com a condição de vigiar o terreno de noite. Aceitei, lógico. Tinha com quem conversar, comida, "goró" e arma.
Ele me disse que continuaria tentando contato com um velho rádio de ondas curtas que ele tem. Ele disse que é uma relíquia militar mas que ainda funcionava perfeitamente. Perguntei se ele podia me ensinar e se for o caso fazer manutenção daquilo, esses rádios são muito úteis quando não temos muitas opções de contato e ele afirmou com um sorriso largo. Estava se sentindo bem em fazer parte de uma "operação militar esculaxada" como essa. Perguntei se ele tinha algumas roupas mais de acordo com o problema e ele disse que tinha várias.
Ofereceu um armário maravilhosamente arrumado, tudo dobrado de forma simétrica, medonhamente simétrico mesmo. Todas as gravatas estavam no mesmo tamanho penduradas. Aquilo me deu uma pontinha de inveja até...
Já peguei uma bota para mim, uma calça jean com lona cheio de bolsos e uma jaqueta do mesmo tecido de manga comprida. Não era camuflado, mas camuflagem era inútil já que éramos rastreados pelo nariz e não pela visão...
Agradeci muito a ele pela roupa nova, isso realmente iria me ajudar muito. Peguei meu celular, sem sinal ainda  mas achei um sinal WiFi. O nome do sinal era o número de uma das casas e eles me disseram que era do vizinho do lado esse número. Perguntei ainda se tentaram contato e disseram que ninguém respondeu. Fui verificar sobre o muro com a ajuda de uma escada pequena, na piscina do vizinho tinha um corpo boiando, metade de um corpo... a água estava vermelha e havia muitas poças de sangue pelo quintal. A varanda estava revirada e havia muito, mas muito sangue espalhado. Não contei nada pra senhora mas ao dizer pro velho ele só afirmou com uma cara de pesar. Acredito que ele já esperava por isso.
Chegou minha hora, vou deixar o celular carregando e vou cumprir com a minha parte do acordo. Subir até o telhado armado para vigiar o terreno. Ao olhar pra baixo vejo a simpática velhinha me dando uma garrafa térmica cheia do meu café já preparado. Isso significa que acabou a água, quando amanhecer vou tentar encontrar uma caixa d'água cheia.
Estou tentando me comunicar com o sobrevivente Luciano mas acredito que, como eu, esteja com dificuldade de relatar.
Aqui me despeço, espero que os outros sobreviventes estejam bem e tenham bastante comida e água. Se alguém tiver ou ter como conseguir um rádio de curto alcance, por favor, tentem.
Meu gps saiu do ar então não tenho como dar minhas coordenadas.