sábado, 25 de dezembro de 2010

Casa da estrada - pt. 4

Consegui um tempo depois de tanta correria. Devo alertá-los de que São Paulo está o verdadeiro inferno e que realmente não tive tempo, condições ou como relatar os acontecidos. Agora estou em uma casa na zona leste, eu sei que é zona leste por um grafite no muro, não sei o nome da rua, não sei o número da casa, sua entrada é pequena e escondida, foi realmente um achado encontrar esse canto para me esconder e conseguir por em dia meu relatório de sobrevivência.
No meu último relatório estava descrevendo o que aconteceu naquela casa velha o qual encontrei um desses troços no sofá em estado avançado de decomposição e um "visitante" que infelizmente acabou se tornando um deles. Vou relatar com maiores detalhes, essa pode ser a unica coisa que sobrou da humanidade e espero que se, por um acaso, isso acabar, esses relatos sejam bem detalhados para evitarem esse holocausto novamente.
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Por fim, o camarada fechou seus olhos e o amordacei para que eu não corresse o risco de ser atacado. Posicionei a faca logo atrás de seu queixo esperando que ele "voltasse", ainda sou humano e não quero matar outro humano... Sua volta foi dolorosa e lenta, ele abriu seus olhos já esbranquiçados, não conseguia focar em nada e gemia como um animal sofrendo. Tive um certo receio de matá-lo, cara, isso não faz parte da minha natureza, mesmo sendo um monstro, ele conversou comigo, orou comigo e esperou forte por seu fim. O inevitável aconteceu, ao vê-lo naquele estado tive que enfiar a faca fundo, mesmo assim ele não morreu de vez. Ao torcer a faca ele soltou um gemido mais agudo e parou de se mexer.
Ainda tinha que me preocupar com o que ele havia me dito antes, alguns dos zumbis o seguiu durante o caminho, e esses eram rápidos, carne ainda fresca e uma fome sem fim. Teria que me preparar para esse confronto já que, segundo ele, eram 5 ou 6 que estavam correndo para cá. Tinha que pensar rápido, tinha que fortificar essa casa de madeira de alguma forma e tinha que me preparar para dar muitos tiros e correr, mas correr muito.
Estava amanhecendo, por aqui amanhece cedo mesmo, os raios do Sol já tocavam o chão e eu ali pensando, meu sono sumiu como por milagre, meu estado de nervos me mantinha em alerta constante e mesmo assim não me sentia cansado. Não suava, estava quente e mesmo assim não suava. Todo e qualquer barulho me chamava atenção.
Eu sei que os efeitos desse stress todo um dia vão acabar me matando do coração mas agora não é hora de pensar em morrer e sim pensar em como não morrer.
Tive um plano meio doido, espero que isso funcione ou eu nem chego a virar zumbi, pensei de imediato naquele botijão de gás... a única frase que passou pela minha cabeça foi: -"Cara, isso vai dar merda!"
Meu plano era idiotamente simples, fechar todas as janelas, trancar tudo e deixar apenas um meio deles entrarem e quando entrarem, trancá-los lá dentro e BUM, simples não?
Não, definitivamente não mas vamos tentar fazer essa loucura. O desespero é uma das mães da genialidade estúpida.
Coloquei o botijão na entrada da cozinha, ficava perto da janela mas decidi por mais próximo da entrada onde estaria os possíveis zumbis. Fechei todas as janelas, algumas com dificuldade, a madeira era velha e parecia que algumas não eram mexidas a anos, suas travas eram simples mas eficientes e depois de todas as janelas voltei minha atenção à porta. Tinha que arrumar um jeito de trancá-la bem e por fora. Assim, quando todos eles estivessem dentro, seria trancá-los e BUM. Ta, ok, admito que estou empolgado em explodir alguma coisa e fazer muita bagunça.
Antes de sair da casa para planejar mais alguma coisa dei uma olhadela pelas frestas da janela. Era de dia e estava incrivelmente ensolarado, pela minha experiência, isso iria reduzir bastante o ritmo dos zumbis, espero que reduza bastante mesmo, para me dar tempo de executar meus planos ou pelo simples fato de apodrecê-los no caminho e não ser perseguido por zumbis ligeiros.
A barra estava limpa, não tinha nada lá fora se mexendo, apenas a poeira da estradinha que ligava esse terreno até a estrada que graças a Deus estava seca mas isso atolou meu carro. As rodas estava até a metade enterradas, ainda mais essa, como tirar o carro de perto da explosão?
Para minha sorte a tração da Belina é traseira, foi só colocar um monte de mato atrás das rodas e acelerar com tudo dando a ré. Funcionou, ainda bem que funcionou. Os solavancos do carro saindo dos buracos foi feio, escutei algo se partindo mas não vou me preocupar agora com isso, preciso resolver esse problema da porta.
No lado de fora da casa eu vi alguns entulhos, vi um pedaço de madeira que serviria de calço para a porta, quando entrarem, era só colocar o calço na parte inferior da porta entre ela e o chão e voi lá, porta trancada ou bastante difícil de abrir.
Agora a pior parte... servir de isca... Essa não foi a parte mais "planejada" por assim dizer. Tinha que dar um jeito de atrair os zumbis, sair e trancar a porta para depois dar um jeito no botijão. Sair pela janela do quarto está fora de questão, o mato lá atrás é denso e não vou me expor a uma área de risco então eu reparei que o chão era de madeira também, de tábuas e essa casa estava erguida por colunas de tijolos que a deixava consideravelmente acima do solo. Isso me deu uma ótima idéia. Se esgueirar por baixo da casa e de surpresa trancar a porta e BUM. Mais bum, eu sei, eu sei, não me reprimam, estou mesmo animado para explodi-los.
Tirei algumas tábuas do chão e fui dar uma olhada no que tinha embaixo. Tirando alguns insetos medonhos que normalmente vivem nesse ambiente, não havia mais nada além de mato. Mato ralo ainda, pouco Sol não deixa as plantas crescerem muito.
Vi que poderia engatinhar tranquilo até ao lado da escada de entrada e trancar a porta. Testei esse caminho algumas vezes para me certificar que estaria realmente preparado para engatinha rápido. Alguns ralados no joelho e sujeira na mão não iriam me matar.
Agora estava quase pronto, poderia atraí-los para a casa, deixar com que entrem, ficarem se batendo na porta do quarto que espertamente tranquei com o guarda roupas velho na frente e aguardar. Tinha que me livrar do corpo desse camarada com a faca no queixo, joguei simplesmente para fora da casa. Destrancar a janela foi odioso, esqueci de jogar o corpo fora antes, mas tinha que fazer, não quero nada fedendo aqui enquanto eu estiver por aqui. Joguei o corpo fora, saiu rolando pelo mato e lá ficou, ao começar a fechar a janela escutei alguns gritos vindo de longe, me arrepiei na hora, deu para sentir até a pupila dilatar de medo. Não pensei que chegariam tão rápido e pelos urros, eram muitos, mas muitos mesmo. Tive que colocar em prática o plano bem antes do previsto, e nem sabia como iria fazer aquela porcaria de botijão explodir. Dane-se, dou um jeito na hora. Antes de terminar esse pensamento escutei a porta da frente sendo empurrada, a casa toda rangia, isso era uma grande vantagem para mim. Fiquei em silêncio e parado só escutando as criaturas entrarem.
Passo a passo eles iam entrando, escutava seus gemidos, urros e outros sons que eu esperava que saíssem de ex-vivos humanos.
Lembrei na hora que sons e cheiros o atraiam, nessa hora comecei a suar e nessa mesma hora ouvi uma batida na porta, como um soco mole de um bêbado querendo entrar em casa e sem forças para por a chave na fechadura. Essa imagem quase me fez rir na hora.
E ouvia mais e mais socos na porta, não parava mais, quase mandei todos pararem mas isso seria uma grande burrice. Eles sentiram meu cheiro, óbvio, estava com uma 'asa' desgraçada e a roupa iria por conta própria para a lavanderia se eu deixasse. O rangido da escada cessou, isso significa que estavam todos dentro da casa, ouvia passos rápidos, alguns lentos e gritos fortes, a garganta desse estava inteira ainda e isso não é bom sinal. Esse era recém transformado e arfava, como uma pessoa enraivecida, nunca havia escutado isso antes, arfava como um animal...
Era hora de por o plano em prática. Comecei a dar pisadas fortes no chão para atraí-los até a porta e funcionou bem, muito bem. Os socos na porta soavam quase como uníssono, não tinha mais pausas entre as batidas, estava furiosos atrás de mim e o guarda roupas estava tremendo com tantas pancadas. Se estivesse só a porta certamente já estariam aqui dentro. Arranquei as tábuas do chão, coloquei uma música que achei no computador para tocar bem alto em looping para continuar atraindo eles e me joguei para debaixo da casa. Olhei rápido em volta para ver se não tinha mais nada se esgueirando mas nada, estavam mesmo dentro da casa. Coloquei as tábuas no lugar sobre minha cabeça e quando terminei de encaixar a última no lugar um estrondo fez a casa toda tremer. Esmurraram tanto a porta que derrubaram o guarda roupas e para minha sorte caiu bem em cima das tábuas que eu havia soltado para fugir por debaixo. Ao olhar nas frestas do chão deu para ver os zumbis se aglomerando em volta do computador para saberem o que é aquilo. Muitos estavam com aparência de vivos ainda, aquilo me deixou mal, havia crianças ali no grupo.
Tinha que aproveitar dessa distração extra e correr até a entrada para fechar a porta. Consegui engatinhar muito rápido, depois de alguns treinos me senti o máximo naquilo. Já perto da escada rolei para fora e em um pulo fui fechar a porta quando vi um garoto parado em pé na minha frente bem na porta. Aquilo me assustou um bocado, não imaginava aquilo, ele não foi atrás do som, ficou olhando a porta... Ao me ver ele quase fez uma expressão de susto também e urrou, se preparou para pular em mim como um gato, fiquei ali parado vendo aquele guri cinza com olheiras e magrelo me encarando como comida, o urro dele atraiu a atenção dos outros que estavam no quarto. Em um pulo saiu um deles, ele tinha feições grotescas, era enorme e ficou parado rosnando para mim em uma posição que lembrava muito um macaco. Acho que foi instinto, tirei a arma da cintura e acertei a cabeça do garoto, o outro grandalhão ficou vendo ele no chão e depois me encarou com mais raiva ainda, babava uma coisa viscosa negra e o cheiro de podre era muito forte, mesmo aparentando ser recém transformado. Quando vi que ele se contraiu para pular fechei a porta e segurei com o ombro até colocar o calço, senti um baque tremendo na porta, chegou a doer o ombro com a pancada e escutava os berros dele vindo de trás. Batia cada vez mais forte na porta e quando consegui calçar a porta o último murro dele fez com que a porta rachasse. Não tinha mais tempo, aquela porta não ia aguentar. Tive tempo o bastante para olhar para os lados e ver se não tinha mais nenhum parado por ali, e não tinha. Tive que arrumar um jeito de explodir logo aquele botijão mas nada me veio a cabeça. Corri para perto da janela da cozinha e de cabeça tentei mirar a posição do botijão e atirei. Errei, isso fez com que eles viessem até a cozinha e certamente a janela não iria aguentar as pancadas. Tinha mais 4 tiros, foi na sorte que acertei no próximo tiro, só escutei o som de metal e do gás vazando. Já era um bom sinal mas a janela começou a sacudir, um dos zumbis estava empurrando querendo arrombar a janela para me comer. Atirei o resto das balas até comecei a escutar um som parecido com aquele som de isqueiro com inseticida. Quando você faz um lança-chamas caseiro, toda criança já fez essa asneira e o efeito do botijão foi o mesmo. O som de fogareiro me aliviou um pouco e os gritos e urros dos zumbis soavam como desespero, me afastava da casa temendo pela explosão e escutava o botijão rolando e girando, a pressão do gás estava fazendo ele se mexer e rodar soltando aquele fogo todo. Quando começou a sair fumaça da casa corri até o carro, me tranquei por dentro e tentei dar a partida. Ficava vendo a casa tentando dar a partida desesperado, não quero estar perto se explodir. A janela da cozinha estourou com o pulo de um dos zumbis que corria em pânico pegando fogo, se não matasse na explosão pelo menos queimava eles até os ossos. Ele correu rápido demais até que começou a usar ajuda dos braços para correr, realmente parecia um chimpanzé correndo, aquilo foi grotesco e me deixou muito no que pensar. Ele corria muito, sem direção definida, apenas corria, será que sentia dor?
Seu corpo estava totalmente coberto pelo fogo, ele não via, não cheirava nem ouvia, já deve ter consumido todas as mucosas da cabeça mas ainda corria muito. Consegui dar a partida no carro e acelerei sentido São Paulo, pelo menos havia me livrado desses zumbis, fiquei vendo pelo retrovisor se nada iria correr atrás de mim mas nada, só vi a casa começando a pegar fogo e a fumaça preta encobrindo o Sol ali, até que simplesmente BUM, explodiu, mas explodiu forte, deu para sentir a onda da explosão nos vidros do carro, foi uma explosão linda na verdade, era isso que eu queria ter visto, não sobrou nada, deu para ver pedaços de carnes meio carbonizadas caindo em todas as direções, caiu uma no capô que chegou a amassar um pouco. Fui acelerando mais para aproveitar o máximo possível da luz do dia até achar outro esconderijo, não quero me arriscar a passar uma noite na estrada sabendo que tem zumbis como esses por aí.
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Tenho que interromper agora o relato, escutei passos aqui perto e não são passos errantes, acho que tem algum sobrevivente aqui perto e preciso verificar.