quarta-feira, 16 de março de 2011

Fronteira SP/PR pt. 4

Esperando anoitecer e ainda vendo esses monstros perambulando por aí, fico olhando o balcão da janela e pensando em como sair daqui. Está acumulando mais desses zumbis e alguns já estão sabendo que tem acesso por aquela porta pois o cheiro de sangue ainda está fresco no ar. O corte está incomodando bastante e pelo visto vou precisar trocar a toalha.
Hoje o dia está com um vento agradável, dá para ver pelas árvores se mexendo lá fora. Os gemidos se misturam com o farfalhar das folhas e isso me dá uma sensação de isolamento profunda. Preciso de uma idéia, preciso pensar em como sair logo daqui, afastar esses zumbis da porta e pegar logo a viatura e sair correndo. Preciso ir para São Paulo, cortar caminho por lá e ir logo pro Paraná.
E esse plano tem que ser executado antes de anoitecer mesmo, preciso ver o que acontece em volta e me guiar corretamente. Pensei em algo meio extraordinário mas pode funcionar. Essa toalha ensangüentada está atraindo eles para a porta então vou testar e ver se atrai para a janela do mini-sótão desse posto. Penduro ela na janela e vejo os zumbis farejando o ar e indo em direção a ela. Isso pode funcionar, quando a maioria, pelo menos, estiver de olho nela, posso me esgueirar e chegar até a viatura e correr. Antes de executar o plano vou me preparar, trocar a bandagem do corte e tomar um banho rápido, pegar o máximo de roupa, mesmo uniforme, armas e munições, comida, água e me mandar daqui. Não preciso de muita coisa, tenho certeza que em São Paulo terá várias opções de saque para sobreviventes como eu.
Respirando fundo e tomando coragem entro no chuveiro nesse pequeno banheiro, água fria para despertar o corpo ainda meio dormente da dor e passar sabão na ferida para não infectar mesmo. Um bom banho para tirar esse cheiro de caça do corpo, roupas limpas pra variar, uma mochila carregada com garrafinhas de água e macarrão instantâneo, armas e munições carregadas em outra bolsa que achei no dormitório e uma idéia estúpida de carregar todas aquelas armas do sótão. A caixa parece pesada mas dou um jeito. Nem que eu tenha que tirar arma por arma e encaixotar de volta aqui embaixo, vou levá-las comigo.
Incrível como podemos pensar em várias coisas ao mesmo quando estamos sob stress, depois do banho arrumei tudo, está tudo perto da porta para ser carregado o mais rápido possível e para minha grande sorte achei uma cartela de aspirinas, isso é um ótimo sinal.
Pego a toalha ensangüentada novamente e ponho na janela e faço barulho para chamar atenção deles. Isso foi muito bem respondido, a maioria já fitou para a janelinha do sótão e começou a rosnar, urrar e outros sons medonhos que eles produzem além daquela babação gosmenta escura que eles costumar soltar quando abrem a boca.
Torço a toalha para pingar o máximo de sangue possível no chão para que o asfalto quente espalhe o cheiro pela região e esperar a aglomeração deles e aproveitar o tempo. Sem tiros, isso vai atraí-los para mim então devo dar porradas na cabeça mesmo mas com o que? Esses tonfas não são longos o bastante e nem tão pesados para esmigalhar um crânio como um taco de baseball ou de golf, mas terão que servir pelo menos para empurrá-los e correr para o carro.
Vejo que uma massa enorme deles, alguns até são novos para mim, estão ali na frente farejando o ar e olhando para a toalha, vejo que as sombras debaixo da porta diminuíram e olho pela janela da frente que eles estão se dirigindo até a toalha, espero que ela não caia da janelinha senão meu plano já era.
Com o mínimo de barulho possível destranco a porta e espreito pela parede. O ar aqui fora está com um cheiro terrível e até agora nenhum me viu. A viatura está do lado e abro a porta, com a mochila em mão já coloco no banco traseiro junto com a mala com algumas armas. Volto para buscar a caixa com as outras armas e quando estou perto da porta tem um deles parado na minha frente. Ele me encara mas não faz barulho, dá a impressão de que não quer dividir o jantar com ninguém, e o pior, eu sou o jantar. Ele começa a andar em minha direção abrindo a boca e esticando os braços para me alcançar quando em um impulso involuntário pego o tonfa desço-lhe a cacetada na cabeça, ele cambaleia e cai de joelhos quando eu instintivamente começo a bater mais e mais na cabeça até ver que pedaços de crânio estão se espalhando pelo chão, isso não chamou a atenção dos outros, muita sorte mesmo, esse descontrole pode me custar caro na próxima vez. Coloco as coisas no carro e entro pela porta do passageiro. Enquanto em ajeito dentro do carro para ir até o banco do motorista alguns estão olhando em minha direção, hora de ligar logo o carro e sair em disparada.
Pelo visto esse motor não é ligado a um bom tempo e a primeira ignição chamou bastante atenção deles, eu sei que essa viatura é mais reforçada que os carros normais mas um bando de carne podre empurrando a janela ainda vai quebrá-la e conseqüentemente eu me tornarei uma carne podre ambulante também.
-Liga, liga, ligaaaa caralho!!!
E o barulho da ignição chamando mais atenção ainda e alguns começaram a vir em minha direção. Ignoraram completamente a droga da toalha e me viram como algo mais interessante. Já era o plano, vou ter que pipocar tudo mesmo até essa droga de carro dar a partida. Pego uma arma, abro a janela e começo a disparar, o treino realmente foi muito útil, consegui acertar muitos na cabeça mas isso atraiu todos eles até a mim. Atirando e dando a partida, parecia uma cena de filme de ação vagabundo mas lá estava eu, me vendo ser cercado de zumbis, atirando pela janela e o carro quase afogando. Tentei tudo, afogador, acelerar para liberar gasolina no motor, tudo e o diabo do carro não pega. Fui apertando todos os botões daquele painel, liguei a sirene, o giroscópio e fui deixando aquele carro maluco com a elétrica toda ligada até que pegou, finalmente pegou, acelerei o máximo que pude, desci o freio de mão e engatei a primeira e fui, acelerando o máximo que podia, atropelando vários no caminho, passando por cima de corpos e escutando os barulhos de ossos quebrando debaixo de mim, vou confessar que me senti bem com aquilo, pelo menos alguns eu matei de vez.
Acelerei mais ainda e quando estava quase saindo do pátio de pesagem de caminhões eu vi ao lado que haviam milhares mais deles vindo até minha direção.
Os dias que passei lá deu tempo de atrair vários deles, os tiros que dei dias atrás chamou atenção deles, devem estar vindo de muito longe mas são muito, muitos mesmo. Uma manada, o melhor termo para essa visão é realmente "manada". Um monte de coisa vindo em sua direção, nada pode pará-los, passarão por cima de qualquer coisa para te pegar. Muros, cercas, nada segura eles, mesmo que os atrasem um pouco, o empurra-empurra acaba vencendo qualquer obstáculo.
Melhor sair daqui e rápido. Pego a bifurcação onde tem uma placa direcionando a cidade de São Paulo e sigo em frente...
Sinto minhas mãos tremendo, estou suando frio e com uma azia desgraçada de nervoso. A viatura tem o rádio funcionando, enquanto ando pela estrada vou tentando contato com aquela moça que escutei no rádio mas até agora só estática mesmo.
Enquanto isso vou descobrindo para que serve todos esses botões no painel...

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Fronteira PR/SP pt. 3

O desgaste emocional está me consumindo. Depois da noticia do rádio, fiquei exausto... Cansado dessa fuga insana e pensando seriamente em desistir, me deixar morder ou sei lá, meter uma bala na cabeça.
Não, não posso fazer isso, tem o meu filho, preciso ir a seu encontro, como eu não sei mas preciso.
Agora de noite escuto somente os gemidos, sei que tem bastante deles lá fora então é melhor eu acender as luzes para ver o que se passa.
Ao ligar os holofotes, deu para ver a manada lá fora andando a esmo e alguns olhando para a luz como se estivesse surpreso. Alguns em posição animalesca, andando de quatro farejando o ar como um cão faminto. A chuva começou, deu para ver que veio com uma brisa gelada, eles estão mais ativos, alguns até começaram a andar menos cambaleante. A água da chuva no asfalto estava escorrendo o sangue podre, o cheiro do ar estaria bem pior se não fosse o friozinho que veio mas mesmo assim incomoda bastante. Não posso nem usar o desodorizador de ar que vi na prateleira da cozinha para melhorar o ambiente, isso atrairia eles até a porta.
Levei um grande susto quando alguns se viraram para a janela. Mesmo blindada, ela não resistira a vários empurrando juntos, sei que eles não podem me ver mas creio que o reflexo deles nessa janela atraiu sua atenção. Alguns já estava olhando ela bem de perto, parecia que podiam me ver, mesmo com as luzes apagadas dentro do módulo, dava essa impressão. Depois de um tempo, o medo volta, me senti além de cansado, com medo e frio. Me senti paralisado ali, atrás da janela espelhada, vendo aquelas coisas pingando com a chuva, gosmas pretas ou esverdeadas escorrendo pela pele acinzentada, gemidos e mais gemidos, toda essa coisa em volta de mim, senti uma tontura, estou mesmo cansado e não consigo manter os olhos abertos. Estou exausto de verdade, não consigo me manter em pé, com um tropeço eu tento me apoiar na bancada da frente mas derrubo um copo de vidro no chão, o barulho chamou a atenção de alguns deles, disso eu sei mas não consigo pensar em mais nada. Minha visão está ficando turva, meu corpo está mais pesado, as pernas estão trêmulas... escuro.
Está tudo escuro, escuto de longe umas batidas metálicas mas não sei sua origem, o som está longe e está escuro. Sinto minha respiração pesada mas ao mesmo tempo parece que estou respirando bem. Estou sentido um incômodo no ombro esquerdo mas estou sem forças para sentir o que é. Sinto que meu corpo não responde, parece que estou em coma acordado, essa sensação é horrível mas me sinto estranhamente bem. As batidas estão mais perto, o que será isso?
Ela não pára, uma batida metálica, parece que tem alguém martelando uma chapa de alumínio. Estou com frio mas não tremo, por que será?
Será essa a sensação de estar morto? Será que morri? Não consigo sentir meu corpo, sinto que ele está aqui mas não sinto força para movê-lo.
As batidas estão mais altas...
-PAH! PAH! PAH! PAH!
O cheiro de podre está mais forte, me sinto ofegante...
Com uma grande aspirada e susto levanto, estou sentado no chão e a porta de metal está sendo surrada. Vejo os vultos na fresta de baixo e vejo várias sombras batendo na porta ou caminhando a sua frente. Meu ombro dói, e quando passo a mão vejo sangue. Senti um troço duro enfiado nele, era um caco de vidro do copo. No chão havia uma poça considerável de sangue e minha roupa estava cheia de sangue também, isso deve ter atraído os zumbis até a porta pelo cheiro.
Uma dor de cabeça horrenda lateja na minha testa e atrás, devo ter caído feio no chão, uma sensação de ressaca com pancada... Meus olhos estão doendo com a claridade que vem da janela, o dia amanheceu com um Sol forte, sem nuvens no céu, pela sombra de alguns zumbis errantes, deve estar perto do meio-dia. Dá para ver que está bastante quente lá fora, consigo até ver a miragem de reflexo no asfalto e o vapor de calor subindo um pouco mais ao longe. Não sei o que me deu para ter esse apagão mas acordei bem descansado, mesmo com o ombro dolorido e a cabeça doendo, o stress deve ter dado o ar de sua graça finalmente para me entorpecer assim.
Procuro o kit de primeiros socorros, pego algumas bolas de algodão, água oxigenada e esparadrapo. Pelo espelho do banheiro o corte foi feio mesmo, parece fundo. A remoção desse caco de vidro vai ser doloroso mas necessário.
Tirando aos poucos e mordendo uma toalha para abafar o grito, o caco foi saindo e o sangue foi escorrendo, deixei a toalha enrolada na cintura para não sujar mais o chão de sangue. O sangue escorria rápido pelo corte e encharcava a toalha. Quando finalmente tirei o restante do caco de vidro a dor foi insuportável, gritei horrores mordendo a toalha e chorava de dor... Eu sei que não posso pegar nenhuma infecção então abri a garrafinha de água oxigenada e joguei no corte, aquilo ardeu mais que o próprio fogo do inferno e ficava batendo o pé no chão mordendo firme a toalha, vi no espelho que estava saindo um pouco de sangue da minha boca, devo ter mordido forte demais e machucado a gengiva. Peguei a toalha do peito ainda enrolada, mesmo embabada em sangue, joguei mais água oxigenada no corte e amarrei a toalha na altura do peito bem apertado para não deixar o corte exposto. Vou ter que ficar assim durante um tempo antes de por o esparadrapo, esperar cicatrizar esse corte pode demorar um pouco mas tenho que cuidar disso, todo e qualquer cheiro de carne viva humana pode atrair esses zumbis.
Minha estadia aqui nesse módulo policial vai ser um pouco mais demorada que o esperado mas, assim que melhorar, vou para São Paulo, talvez consiga ajuda de alguém por lá e evitarei a estrada, pelo visto ela está mais tomada do que pensava e não tenho muito onde me esconder.
Sento na cadeira e vejo esse show de horrores pela janela espelhada fumê, o rádio continua com estática e pelo meu reflexo no vidro, estou com uma cara de quem tomou um baita porre...