quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Casa da estrada - pt. 2

O som de um trovão me fez dar um pequeno pulo sentado. Acho que peguei no sono, mesmo de noite, isso foi um erro. Consegui passar café lavando um pano de prato velho que encontrei, não ficou lá aquela maravilha mas melhor que nada. Com a iluminação de apenas 1 vela no meio da sala para não chamar muita atenção, olho em volta. Pelo barulho a chuva está diminuindo gradativamente mas ainda está forte. As goteiras se tornaram verdadeiros tormentos, não posso por nada embaixo para segurar as gotas por causa do barulho, as poças nessa casa só não estão maiores porque o assoalho velho deve ter mais buracos do que o próprio telhado.
Me levanto com dores nas costas e formigamento nas coxas, dormir sentado não é bom, as dores musculares estão ficando cada vez mais fortes, acho que a tensão e a descarga constante de adrenalina estão fazendo com que meus músculos fiquem doloridos mais ainda.
Como ainda tem sinal aqui, dei uma olhada rápida nos relatos de outros sobreviventes, Luciano parece bem e a Anna cortou o cabelo, parece que encontraram uma vizinha em uma casa mais afastada no telhado segurando uma arma de grosso calibre.
Brasília... fico imaginando como deve estar o casal de aposentados que tão gentilmente me hospedaram em sua casa. Será que estão bem? Será que estão precisando de ajuda? Temo pelo pior...
Prefiro manter o foco na minha ida para Curitiba, a esperança de que a doença esteja contida é grande mas com o tempo acredito que eu tenha cometido uma grande bobagem em me aventurar na estrada sozinho em um estado de alerta mundial.
A folhagem do mato atrás da casa está muito agitada, o vento está bastante frio, mesmo dentro da casa, minha respiração está saindo como vapor, não estou sentindo muito frio, um desconforto leve apenas nos pés, tive que tirar a bota e pendurar as meias em um varal improvisado que fiz na sala. Ficar com uma bota molhada por muito tempo no pé é uma péssima idéia.
Muito das coisas que quero agora estão no carro, não imaginei que ficaria mais do que algumas horas nessa casa e agora já se vão mais de 24 horas aqui ilhado pela lama que, pelo menos, não subiu mais.
Toda essa folhagem se movimentando lá fora pelo vento me deixa agoniado, fico imaginando os horrores que deve ter por lá, milhares e milhares deles andando alí, perdidos, sentindo um cheiro bem leve de carne humana já que o vento não permite que eles faregem melhor. Algumas gotas maiores de chuva caem na lama fazendo um barulho parecido com passos, sem ritmo, parece muito com o andar deles. A paranóia que me consome de noite tem me dado dores de cabeça horríveis e estou sem nada para isso, aspirina, dorflex, nada, absolutamente nada. Creio que o máximo de medicamento que possuo é o kit de primeiros socorros veicular, faixas, água oxigenada e esparadrapos. Se eu me cortar feio estou bem pelo menos.
O vento continua uivando lá fora, a sensação de abandono e isolamento tem me deprimido um pouco, as vezes me pego pensando alto, achando que estava apenas na cabeça mas estou falando pela boca, enquanto não estiver falando sozinho creio que eu ainda esteja bem psicologicamente.
Fico lembrando do meu filho, está a salvo na europa estudando, deve estar a parte de todo esse problema nas américas, deve estar muito preocupado comigo mas não faço a menor idéia de como entrar em contato com ele. Tentei e-mails e nada, sempre diz que a caixa postal está bloqueada. Alguns sites europeus não estão sendo mostrados dizendo que o acesso é restrito. Será que bloquearam todos os IPs daqui?
Não duvidaria, bloquear o acesso totalmente envolve fisicamente e eletronicamente. Deve ter algum motivo para isso mas não possuo um conhecimento de informática tão avançado assim para burlar esse bloqueio.
Fico pensando também nessa moça que me deparei aqui nessa casa. Quem era ela? O que ela fazia?
Ainda tudo silencioso, fora a chuva claro. Esse suspense me mata, notei que estou com um tique nervoso no polegar da mão direita. Ele fica tremendo e de repente ele da um "joinha". Poderia ser por, poderia ser um tique no dedo do meio...
Esse pensamento positivo vai acabar me atrapalhando...
Tem algo na janela do quarto que fechei. O som claro que mãos molhadas batendo e se apoiando no beiral da janela me preocupa. Isso significa que esse zumbi é um dos inteiros, chego lentamente perto da porta com a arma em mãos e fico escutando o som que sai de dentro do quarto. Escuto o roçar da roupa pela janela, está entrando mas lentamente, com muito esforço, parece que está quase dentro.
O som de corpo caindo no chão de forma desengonçada foi bem nítido e o som que esta me apavorando é de corpo se arrastando pelo chão até a porta. Uma arranhada na porta, é agora, vou ter que atirar, vou ter que fazer barulho, vou ter que engolir seco e tomar coragem.
Um baque seco no chão e silêncio. Não está mais vindo som nenhum. A porta está trancada de qualquer forma, tenho essa pequena vantagem, pelo visto esse pode ser um dos inteiros mas está meio chumbado nas pernas. Vou verificar isso quando amanhecer, não quero um confronto no escuro.
Vou sentar ao lado da porta com a arma na mão, não quero correr riscos desnecessários, minha respiração está acelerada, como não tem mais som nenhum, consigo escutar meus batimentos no ouvido, meu corpo treme e minha mão mais ainda, espero que seque logo minha bota e as meias, não quero correr por aí descalço.
Estou com medo... com medo e sozinho.