quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Fronteira PR/SP pt. 3

O desgaste emocional está me consumindo. Depois da noticia do rádio, fiquei exausto... Cansado dessa fuga insana e pensando seriamente em desistir, me deixar morder ou sei lá, meter uma bala na cabeça.
Não, não posso fazer isso, tem o meu filho, preciso ir a seu encontro, como eu não sei mas preciso.
Agora de noite escuto somente os gemidos, sei que tem bastante deles lá fora então é melhor eu acender as luzes para ver o que se passa.
Ao ligar os holofotes, deu para ver a manada lá fora andando a esmo e alguns olhando para a luz como se estivesse surpreso. Alguns em posição animalesca, andando de quatro farejando o ar como um cão faminto. A chuva começou, deu para ver que veio com uma brisa gelada, eles estão mais ativos, alguns até começaram a andar menos cambaleante. A água da chuva no asfalto estava escorrendo o sangue podre, o cheiro do ar estaria bem pior se não fosse o friozinho que veio mas mesmo assim incomoda bastante. Não posso nem usar o desodorizador de ar que vi na prateleira da cozinha para melhorar o ambiente, isso atrairia eles até a porta.
Levei um grande susto quando alguns se viraram para a janela. Mesmo blindada, ela não resistira a vários empurrando juntos, sei que eles não podem me ver mas creio que o reflexo deles nessa janela atraiu sua atenção. Alguns já estava olhando ela bem de perto, parecia que podiam me ver, mesmo com as luzes apagadas dentro do módulo, dava essa impressão. Depois de um tempo, o medo volta, me senti além de cansado, com medo e frio. Me senti paralisado ali, atrás da janela espelhada, vendo aquelas coisas pingando com a chuva, gosmas pretas ou esverdeadas escorrendo pela pele acinzentada, gemidos e mais gemidos, toda essa coisa em volta de mim, senti uma tontura, estou mesmo cansado e não consigo manter os olhos abertos. Estou exausto de verdade, não consigo me manter em pé, com um tropeço eu tento me apoiar na bancada da frente mas derrubo um copo de vidro no chão, o barulho chamou a atenção de alguns deles, disso eu sei mas não consigo pensar em mais nada. Minha visão está ficando turva, meu corpo está mais pesado, as pernas estão trêmulas... escuro.
Está tudo escuro, escuto de longe umas batidas metálicas mas não sei sua origem, o som está longe e está escuro. Sinto minha respiração pesada mas ao mesmo tempo parece que estou respirando bem. Estou sentido um incômodo no ombro esquerdo mas estou sem forças para sentir o que é. Sinto que meu corpo não responde, parece que estou em coma acordado, essa sensação é horrível mas me sinto estranhamente bem. As batidas estão mais perto, o que será isso?
Ela não pára, uma batida metálica, parece que tem alguém martelando uma chapa de alumínio. Estou com frio mas não tremo, por que será?
Será essa a sensação de estar morto? Será que morri? Não consigo sentir meu corpo, sinto que ele está aqui mas não sinto força para movê-lo.
As batidas estão mais altas...
-PAH! PAH! PAH! PAH!
O cheiro de podre está mais forte, me sinto ofegante...
Com uma grande aspirada e susto levanto, estou sentado no chão e a porta de metal está sendo surrada. Vejo os vultos na fresta de baixo e vejo várias sombras batendo na porta ou caminhando a sua frente. Meu ombro dói, e quando passo a mão vejo sangue. Senti um troço duro enfiado nele, era um caco de vidro do copo. No chão havia uma poça considerável de sangue e minha roupa estava cheia de sangue também, isso deve ter atraído os zumbis até a porta pelo cheiro.
Uma dor de cabeça horrenda lateja na minha testa e atrás, devo ter caído feio no chão, uma sensação de ressaca com pancada... Meus olhos estão doendo com a claridade que vem da janela, o dia amanheceu com um Sol forte, sem nuvens no céu, pela sombra de alguns zumbis errantes, deve estar perto do meio-dia. Dá para ver que está bastante quente lá fora, consigo até ver a miragem de reflexo no asfalto e o vapor de calor subindo um pouco mais ao longe. Não sei o que me deu para ter esse apagão mas acordei bem descansado, mesmo com o ombro dolorido e a cabeça doendo, o stress deve ter dado o ar de sua graça finalmente para me entorpecer assim.
Procuro o kit de primeiros socorros, pego algumas bolas de algodão, água oxigenada e esparadrapo. Pelo espelho do banheiro o corte foi feio mesmo, parece fundo. A remoção desse caco de vidro vai ser doloroso mas necessário.
Tirando aos poucos e mordendo uma toalha para abafar o grito, o caco foi saindo e o sangue foi escorrendo, deixei a toalha enrolada na cintura para não sujar mais o chão de sangue. O sangue escorria rápido pelo corte e encharcava a toalha. Quando finalmente tirei o restante do caco de vidro a dor foi insuportável, gritei horrores mordendo a toalha e chorava de dor... Eu sei que não posso pegar nenhuma infecção então abri a garrafinha de água oxigenada e joguei no corte, aquilo ardeu mais que o próprio fogo do inferno e ficava batendo o pé no chão mordendo firme a toalha, vi no espelho que estava saindo um pouco de sangue da minha boca, devo ter mordido forte demais e machucado a gengiva. Peguei a toalha do peito ainda enrolada, mesmo embabada em sangue, joguei mais água oxigenada no corte e amarrei a toalha na altura do peito bem apertado para não deixar o corte exposto. Vou ter que ficar assim durante um tempo antes de por o esparadrapo, esperar cicatrizar esse corte pode demorar um pouco mas tenho que cuidar disso, todo e qualquer cheiro de carne viva humana pode atrair esses zumbis.
Minha estadia aqui nesse módulo policial vai ser um pouco mais demorada que o esperado mas, assim que melhorar, vou para São Paulo, talvez consiga ajuda de alguém por lá e evitarei a estrada, pelo visto ela está mais tomada do que pensava e não tenho muito onde me esconder.
Sento na cadeira e vejo esse show de horrores pela janela espelhada fumê, o rádio continua com estática e pelo meu reflexo no vidro, estou com uma cara de quem tomou um baita porre...

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